A NOVELA ACERCA DA ENTRADA EM VIGÊNCIA DA LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS E SEUS REAIS EFEITOS
Operadores do direito acompanharam atentamente o noticiário político nas últimas semanas em razão do debate acerca da Medida Provisória 959/2020, que dentre outras coisas, adiava para 31 de dezembro de 2020 a entrada em vigência da Lei n.º 13.709/2018, batizada de Lei Geral de Proteção de Dados.
Em um cenário cheio de idas e vindas, a Câmara Federal aprovou o texto de última hora para ratificar a MP 959/2020, adiando o início da vigência da LGPD para 31 de dezembro.
Contudo, enviada a matéria ao Senado, esta casa legislativa entendeu que não poderia promover o adiamento proposto na MP 959/2020, vez que a matéria já fora debatida neste ano, quando apreciou o Projeto de Lei nº 1.179, de 2020, que se transformou na Lei nº 14.010/2020 e, prorrogou a entrada em vigor das sanções previstas na LGPD, para 1º de agosto de 2021.
Neste cenário, não havendo tempo para novo debate sobre a matéria, foi mantida a entrada em vigência da tão falada Lei de Geral de Proteção de Dados para o dia 14 de agosto de 2020, a depender da sanção presidencial, no prazo de 15 dias úteis contados de seu recebimento.
Toda esta grande celeuma trouxe insegurança jurídica ao tema, uma vez que entidades públicas e privadas foram influenciadas pelo noticiário que ora indicava o adiamento da vigência, ora indicava a manutenção da data anteriormente prevista.
Neste ínterim, é importante destacar que o Planalto editou o Decreto n.º 10.474/2020, instituindo a estrutura regimental e o quadro demonstrativo de cargos em comissão e funções de confiança da Autoridade Nacional de Proteção de Dados, criada em 2019, o que significou um grande passo em direção a aplicação da lei.
Porém, outro ponto relevante a ser destacado é o fato de que a Lei 14.010/2020 prorrogou para 1º de agosto de 2021 a entrada em vigor das sanções dispostas na LGPD, garantindo aos envolvidos um tempo de adaptação até que estejam sujeitos as penalidades por eventuais descumprimentos das normas instituídas pela Lei Geral de Proteção de Dados.
Toda esta celeuma político-legislativa contribui para um clima de incertezas e que torna a aplicação da lei menos palpável e, portanto, promove uma sensação de que a tão esperada revolução no mundo digital promovida pela novel legislação será ainda mais postergada.
Neste contexto, é relevante tecer alguns comentários do que muda a partir da entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados, assim como acerca de suas referências em relação ao Marco Civil da Internet, Código de Defesa do Consumidor e a GDPR (legislação europeia que serviu de inspiração a LGPD).
Primeiramente, é notável que a nova lei concede ao cidadão maior proteção em relação ao vazamento de dados, assim como lhe empodera na relação com entidades
públicas e privadas, instituindo princípios como a transparência, privacidade, autonomia, inviolabilidade da intimidade, honra e imagem, entre outros.
No entanto, não é o caso de se presumir que todas as operações que envolvam tratamento de dados pessoais serão suspensas ou constituirão ilegalidade. Na verdade, a nova lei promove a regulamentação de uma prática que está posta no mercado, concedendo segurança aos envolvidos e maior proteção aos cidadãos, sem inviabilizar os negócios.
A LGPD foi inspirada na mencionada GDPR – sigla em inglês para General Data Protection Regulation – implementada em 2018, regulamentando as políticas de tratamento de dados na União Europeia. Com isso, a LGPD importa conceitos e normas, para que o Brasil esteja alinhado as melhores práticas internacionais no assunto, no entanto, sem inviabilizar a promoção de negócios que envolvam o manejo de dados pessoais.
Importante consignar que o artigo 7º da Lei 13.709/2018 elenca dez possibilidades para o tratamento de dados, sendo o consentimento apenas uma delas, sem prejuízo das demais. Com isso, é permitido o tratamento de dados pessoais para cumprimento de obrigação legal ou regulatória pelo controlador, para o tratamento e uso compartilhado de dados necessários a execução de políticas públicas, para realização de estudos e pesquisas, garantidas sempre que possível a anonimização dos dados, para a proteção da vida ou incolumidade física do titular ou terceiro, entre outras possibilidades elencadas nos incisos do mencionado artigo sétimo.
É imperioso notar que todas as possibilidades devem estar submetidas ao crivo da finalidade, que segundo a redação do inciso I do artigo 6º da mesma lei significa: “realização do tratamento para propósitos legítimos, específicos, explícitos e informados ao titular, sem possibilidade de tratamento posterior de forma incompatível com essas finalidades”.
Logo, para que um ente público ou privado utilize de dados pessoais de terceiros deverá fazê-lo para propósitos legítimos, específicos, explícitos e informados ao titular, ou seja, não pode uma empresa acessar e tratar os dados pessoais para fins com os quais o titular não tenha conhecimento ou anuência.
Notadamente que o uso indiscriminado de dados pessoais provoca grande abalo nas relações entre privados, sendo que provavelmente o leitor deste artigo já recebeu uma ligação de alguma empresa oferecendo um produto ou serviço que jamais tenha solicitado. Este tipo de prática comercial passa a ter caráter abusivo e por isso deve ser reprimido a partir da vigência da lei, e suas penalidades, estas últimas aplicáveis somente de 1º de agosto de 2021 em diante.
Outro ponto relevante posto em discussão é sobre como entidades públicas e privadas se adaptarão as novas regras e o que farão com todo o acervo de dados que atualmente possuem e exploram no desenvolvimento de seus negócios.
Naturalmente, espera-se por um período de adaptação, pelo qual os envolvidos já deveriam estar passando, para que estivessem aptas a atender ao disposto na nova legislação, porém, receberam o benefício de não estarem sujeitas as penalidades previstas na legislação até agosto de 2021.
Convém ressaltar que diante da grande transformação que o mercado e estado estarão sujeitos, a lei aprovada em 2018 já previa um vacatio legis de dezoito meses,
prazo este que foi posteriormente alterado para vinte e quatro meses após a aprovação da Medida Provisória nº 869, convertida na Lei nº 13.853/2019.
Enfim, o recado que fica aos cidadãos, empresas e entes públicos é que existe uma necessidade de adaptação que deverá ser agora acelerada em razão da derrubada do artigo que previa o adiamento da vigência da lei para 31 de dezembro de 2020, cabendo aos envolvidos envidar esforços para a promoção de uma adaptação vigorosa.