A VALIDADE DA CLÁUSULA ARBITRAL À LUZ DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
A cláusula arbitral, também chamada de cláusula compromissória, é um acordo feito entre as partes de um negócio jurídico firmado, em que ambas se obrigam a se submeterem a um procedimento arbitral em caso de conflito decorrente do contrato.
Esse procedimento é um método de resolução de conflitos alternativo regido pela Lei 9.307/96, apto a tratar de direitos patrimoniais disponíveis, afastando a atuação do Poder Judiciário, ao passo que as partes concordam em eleger uma pessoa ou uma entidade privada para solucionar eventuais controvérsias surgidas em decorrência de uma relação firmada entre elas, derrogando-se a jurisdição estatal.
As decisões proferidas em sede de arbitragem, chamadas de sentenças arbitrais, tem força de título executivo judicial, conforme art. 515, VII, do Código de Processo Civil, as quais devem ser executadas pelo Poder Judiciário por meio do procedimento de cumprimento de sentença, visto que os árbitros e os tribunais arbitrais não possuem competência para executar suas próprias decisões.
Importante destacar que as sentenças arbitrais somente poderão ser declaradas nulas, quando for identificado pelo Poder Judiciário pelo menos uma das circunstâncias previstas no art. 32 da Lei de Arbitragem, vejamos:
“Art. 32. É nula a sentença arbitral se:
I - for nula a convenção de arbitragem:
II - emanou de quem não podia ser árbitro;
III - não contiver os requisitos do art. 26 desta Lei;
IV - for proferida fora dos limites da convenção de arbitragem;
V - não decidir todo o litígio submetido à arbitragem:
VI - comprovado que foi proferida por prevaricação, concussão ou corrupção passiva;
VII - proferida fora do prazo, respeitado o disposto no art. 12, inciso III, desta Lei; e
VIII - forem desrespeitados os princípios de que trata o art. 21, § 2º, desta Lei.”
Portanto, quando prevista a cláusula arbitral no contrato ou firmado compromisso arbitral em documento apartado ao principal, a sua observância é obrigatória. Isso significa que, em regra, o conflito decorrente de contrato que preveja cláusula compromissória deverá, obrigatoriamente, passar pelo procedimento arbitral, e somente para execução de sua sentença será levado ao crivo da jurisdição estatal.
Esse é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça que reconhece que, antes da sentença arbitral, em razão do princípio da competência – competência1 , cabe ao próprio árbitro instituído pelas partes avaliar a validade, eficácia e extensão da clausula compromissória firmada, senão vejamos o precedente a seguir:
AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. CLÁUSULA ARBITRAL. CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM. COMPETÊNCIA DO JUÍZO ARBITRAL PARA O EXAME DA VALIDADE DA CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. PRINCÍPIO DA COMPETÊNCIACOMPETÊNCIA. 1. A jurisprudência desta Corte, com fundamento no princípio da competência-competência, orienta que a discussão relativa à validade, eficácia e extensão da cláusula compromissória deve, em regra, ser submetida, em primeiro lugar, ao próprio árbitro. Precedentes.2. Agravo interno a que se nega provimento.(AgInt no AREsp 1372134/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 22/03/2021, DJe 25/03/2021)
Entretanto, essa regra pode ser afastada, competindo ao Poder Judiciário, antes mesmo de instaurado o procedimento arbitral, declarar nulo o compromisso arbitral.
Isso ocorrerá quando a clausula compromissória for patológica, por versar sobre direitos indisponíveis, for considerada vazia ou em branco ou, ainda, não cumprir os requisitos legais, como os do parágrafo segundo do art. 4º, da Lei 9.307/96, quais sejam:
1 Estampado no art. 8º da Lei de Arbitragem, o princípio da competência – competência estabelece a regra temporal que garante ao árbitro a possibilidade de avaliar antes do judiciário, se a jurisdição arbitral existe e se o compromisso arbitral é válido e eficaz para dirimir o conflito apresentada.
“Art. 4º A cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato.
§ 1º A cláusula compromissória deve ser estipulada por escrito, podendo estar inserta no próprio contrato ou em documento apartado que a ele se refira.
§ 2º Nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula.”
Nesse sentido, vejamos os precedentes do Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. ART. 4º, § 2º, DA LEI N.9.307/1996. DESCUMPRIMENTO. CLÁUSULA PATOLÓGICA. ANÁLISE PELO MAGISTRADO. POSSIBILIDADE. DECISÃO MANTIDA. 1. O magistrado pode analisar a alegação de ineficácia da cláusula compromissória por descumprimento da formalidade do art. 4º, § 2º, da Lei n. 9.307/1996, independentemente do estado do procedimento arbitral. Precedente: REsp 1.602.076/SP, Rel. Min. NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/9/2016, DJe 30/9/2016. 2. A divergência jurisprudencial fica prejudicada no caso de a tese ser rejeitada no exame do recurso especial pela alínea "a" do permissivo constitucional. Precedentes.3. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AgInt no REsp 1431391/SP, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 20/04/2020, DJe 24/04/2020)
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CONTRATO DE FRANQUIA. CONTRATO DE ADESÃO. ARBITRAGEM. REQUISITO DE VALIDADE DO ART. 4º, § 2º, DA LEI 9.307/96. DESCUMPRIMENTO. RECONHECIMENTO PRIMA FACIE DE CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA “PATOLÓGICA”. ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. POSSIBILIDADE. NULIDADE RECONHECIDA. RECURSO PROVIDO. 1. Recurso especial interposto em 07/04/2015 e redistribuído a este gabinete em 25/08/2016. 2. O contrato de franquia, por sua natureza, não está sujeito às regras protetivas previstas no CDC, pois não há relação de consumo, mas de fomento econômico. 3. Todos os contratos de adesão, mesmo aqueles que não consubstanciam relações de consumo, como os contratos de franquia, devem observar o disposto no art. 4º, § 2º, da Lei 9.307/96. 4. O Poder Judiciário pode, nos casos em que prima facie é identificado um compromisso arbitral “patológico”, i.e., claramente ilegal, declarar a nulidade dessa cláusula, independentemente do estado em que se encontre o procedimento arbitral. 5. Recurso especial conhecido e provido. (RECURSO ESPECIAL Nº 1.602.076 - SP (2016/0134010-1)).
A decisão transcrita de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, destaca que todos os contratos de adesão — mesmo aqueles que não gozam da proteção especial do Código de Defesa do Consumidor, como os contratos de franquia — devem observar as regras do parágrafo 2º do artigo 4º da Lei de Arbitragem.
Caso contrário, a cláusula arbitral neles previstas poderá ser declarada nula, assim como os compromissos arbitrais vazios, entendidos como aqueles que se limitam a afirmar que qualquer desavença decorrente do negócio jurídico será solucionada por meio de arbitragem, sem indicar o órgão arbitral escolhido.
Por fim, importante destacar que o Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 51, VII, se limita a vedar a adoção prévia e compulsória da arbitragem, no momento da celebração do contrato. Ou seja, havendo consenso entre as partes, é possível que seja instaurado o procedimento arbitral. Porém, havendo provocação judicial por parte do consumidor, a cláusula arbitral não prevalece.
É o que se depreende do Recurso Especial nº 1854483/GO, também de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, no qual se destaca o seguinte:
DIREITO DO CONSUMIDOR. ARBITRAGEM. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE SENTENÇA ARBITRAL. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. COISA JULGADA. IMPUGNAÇÕES. POSSIBILIDADE. LIMITES LEGAIS IMPOSTOS PELO CPC/2015. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. RELAÇÃO DE CONSUMO. CONTRATO DE ADESÃO. 1. Ação ajuizada em 01/12/2014, recurso especial interposto em 26/04/2019 e concluso ao gabinete em 05/12/2019. 2. A recorrente alega pela impossibilidade de apreciação da exceção de pré-executividade em razão da suposta formação da coisa julgada sobre a sentença arbitral, cuja execução a recorrente buscou junto ao Poder Judiciário. 3. As sentenças arbitrais são consideradas, por força de lei, títulos executivos judiciais e as possibilidades de questionamento sobre sua validade perante o Poder Judiciário são reduzidas a um elenco previamente fixado, conforme previsto no art. 32 da Lei de Arbitragem. 4. Em sede de impugnação ao cumprimento de sentença arbitral ou em exceção de pré-executividade, é possível a invocação das razões contidas no art. 525, § 1º, do CPC/2015, relativa à nulidade da citação. 5. O art. 51, VII, do CDC limita-se a vedar a adoção prévia e compulsória da arbitragem, no momento da celebração do contrato, mas não impede que, posteriormente, diante de eventual litígio, havendo consenso entre as partes (em especial a aquiescência do consumidor), seja instaurado o procedimento arbitral. 6. Recurso especial não provido. (REsp 1854483/GO, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/09/2020, DJe 16/09/2020)
Conclui-se, portanto, que somente excetua- se a preferência lógicotemporal do juízo arbitral em relação ao Poder Judiciário para a interpretação dos limites e do alcance do compromisso arbitral, quando forem detectadas cláusulas arbitrais consideradas “patológicas”, que possam gerar a nulidade do compromisso em parte ou no todo, ou quando se tratar de contrato de adesão regido pelas regras consumeristas em que não há aquiescência do consumidor.