As Candidaturas Fictícias
O advento da Constituição Federal de 1988, mais precisamente em seu artigo 1°, consagrou diversos valores, em especial, a cidadania, a dignidade da pessoa humana e o pluralismo político que, sem dúvida, representam indispensáveis pilares de um verdadeiro Estado democrático de Direito. Estes princípios transparecem uma sociedade igualitária e tolerante, fazendo-se firme, inclusive, quanto à regra da isonomia de gênero.
Com objetivo de modular os efeitos da abstração citada, criou-se a Lei 9.904/97, que em seu artigo 10 inseriu no ordenamento jurídico os seguintes termos:
“Art. 10. Cada partido ou coligação poderá registrar candidatos para a Câmara dos Deputados, a Câmara Legislativa, as Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais no total de até 150% (cento e cinquenta por cento) do número de lugares a preencher, salvo: (Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015).
§ 3° Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo. (Redação dada pela Lei nº 12.034, de 2009)”
Ocorre que essa norma vem sendo driblada, vez que as agremiações têm como prática corriqueira o induzimento e até mesmo forçam as filiadas mulheres a se candidatarem, isso somente com o fito de aumentar o coeficiente legal supracitado.
É certo que as candidaturas simuladas não se adequam ao fim colimado por esse instituto de igualdade, ao passo que, uma vez manobrada esta condição [cota de gênero] a citada norma tem seus efeitos aviltados, tornando inepta sua colaboração com a evolução social prevista pelo legislador.
Sobre o tema, leciona José Jairo Gomes – verbis:
“a fraude implica frustração do sentido da finalidade da norma jurídica, pelo uso de artimanha, astúcia ou ardil. Aparentemente age, sim, em harmonia com o direito, mas o efeito visado o contraria. A fraude tem sempre em vista distorcer as regras e princípios jurídicos. No âmbito eleitoral, a fraude visa influenciar ou manipular o resultado da eleição. Por isso, equivocadamente, sempre foi relacionada à votação, embora não se restrinja a essa fase do processo eleitoral.”
Indo mais além, o conceituado Doutrinador ainda afirmou que – verbis:
“Consiste a fraude em lançar a candidatura de mulheres que na realidade não disputarão o pleito. São candidaturas fictícias. Os nomes femininos são arrolados na lista do partido tão somente para atender à necessidade de preenchimento do mínimo de 30%, viabilizando-se, com isso, a presença do partido e de seus candidatos nas eleições. Trata-se, portanto, de burlar a regra legal que instituiu a ação afirmativa direcionada ao incremento da participação feminina na política. Embora esse tipo de fraude se perfaça na fase do registro de candidatura, em geral os indícios de sua ocorrência aparecem depois do pleito, sendo evidenciados por situações como a ausência de votos à candidata, a não realização de campanha, a inexistência de gasto eleitoral, a não transferência nem arrecadação de recursos - nesses últimos casos a prestação de contas aparece zerada.”
Sobre o delicado tema, o Colendo Tribunal Superior Eleitoral também teve a oportunidade de se manifestar quando do julgamento do Recurso Especial Eleitoral (REsp) nº 19392 - VALENÇA DO PIAUÍ – PI, sob a relatoria do Digno Min. Jorge Mussi, tendo repudiado veementemente essa lamentável prática que, ardilosamente, é acobertada pela velha política que ainda se porta com extremo conservadorismo.
Assim, apesar de constante, essa prática já assumiu um lugar de destaque no “radar” do órgão máximo da Justiça Eleitoral que vem desenvolvendo diversas técnicas para coibir tal ilícito.
Autora: Dra. Ana Caroline Aparecida Souza.