CRIME DE OMISSÃO DE SOCORRO E A POSSIBILIDADE DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS À LUZ DO ENTENDIMENTO DO STJ
O crime de omissão de socorro encontra- se tipificado no art. 135 do Código Penal, o qual define como ilícita a conduta omissiva de deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo, ou não pedir socorro da autoridade pública. O objetivo desta norma proibitiva é preservar a vida e a saúde das pessoas e a consagrar o dever de assistência e a solidariedade social.1
Tal crime admite a pluralidade de sujeitos ativos, quando várias pessoas estiverem presentes e se omitirem, de modo que todas responderão pelo ato omissivo. Em contrapartida, por se tratar de uma responsabilidade solidária, caso qualquer uma delas preste socorro, as demais ficam desobrigadas a prestar assistência, não configurando a omissão destas.
Ainda, com base no art. 13, §2º, também do Código Penal, a conduta omissiva é dividida como omissão própria, sendo a exata tipificação do art. 135, e a omissão imprópria, entendimento corroborado pela doutrina majoritária.
Esta última se diferencia em razão da lei imputar a quem se omite um crime comissivo, ou seja, aquele que importa em uma ação considerada criminosa, como matar alguém, quando da omissão resultar a morte da vítima.
Para tanto, o diploma penal elenca determinados sujeitos que, ao se omitirem, não seriam enquadrados no crime de omissão de socorro, mas, sim, responsabilizados, culposa ou dolosamente, pelo resultado que deveriam evitar. Em regra, a omissão imprópria será penalizada de forma mais gravosa, correspondente a pena do crime comissivo.
Assim, conforme o art. 13, §2º, do Código Penal, aquele que tenha por lei a obrigação de cuidado, proteção ou vigilância, ou o indivíduo que de outra forma assumiu a responsabilidade de impedir o resultado, ou, ainda, que com seu comportamento anterior, tenha criado o risco da ocorrência do fato, será responsável pelo resultado. Enquanto isso, aqueles que não se enquadram nestas circunstâncias, respondem apenas pela omissão, cuja pena é a detenção, por dois a seis meses ou multa, e não pelo resultado.
De todo modo, a conduta omissiva, tanto na sua forma própria quanto imprópria, possui elevada gravidade social, conforme ressaltou o Ministro Antônio Carlos Ferreira, da Quarta Turma do STJ, sendo, inclusive,
reprimida por outro diploma legal, qual seja o Código de Trânsito Brasileiro, como se vê nos artigos 304 e 305, a seguir transcritos:
Art. 304. Deixar o condutor do veículo, na ocasião do acidente, de
prestar imediato socorro à vítima, ou, não podendo fazê-lo
diretamente, por justa causa, deixar de solicitar auxílio da
autoridade pública:Penas - detenção, de seis meses a um ano, ou multa, se o fato não
constituir elemento de crime mais grave.Parágrafo único. Incide nas penas previstas neste artigo o condutor
do veículo, ainda que a sua omissão seja suprida por terceiros ou
que se trate de vítima com morte instantânea ou com ferimentos
leves.Art. 305. Afastar-se o condutor do veículo do local do acidente, para
fugir à responsabilidade penal ou civil que lhe possa ser atribuída:Penas - detenção, de seis meses a um ano, ou multa.
Portanto, como qualquer ato ilícito, além da responsabilidade penal pelo ato praticado, a parte lesada poderá pleitear perante o Poder Judiciário a respectiva indenização pelos eventuais danos materiais e morais dele decorrentes.
Nesse sentido, em relação à possibilidade de indenização por dano moral, em 30/04/2021, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, nos autos do REsp 1512001/SP2, decidiu que a omissão de socorro, por si só, não configura dano moral in re ipsa, ou seja, não se presume a existência do dano moral, devendo este ser investigado e comprovado caso a caso.
O Ministro Antônio Carlos Ferreira, relator do referido recurso, ao se debruçar sobre o assunto, ressaltou que, de fato, determinados ilícitos ocasionam dor e sofrimento juridicamente relevantes, sendo uma consequência lógica da própria ilicitude do fato delituoso. Entretanto, na omissão de socorro, verifica- se necessário demonstrar o dano moral, pois a sua presunção deve se restringir a casos específicos de ofensa a direitos da personalidade.
Ao final, o relator assevera que é prudente averiguar as peculiaridades do caso concreto para constatação do dano moral, a partir dos seguintes parâmetros: i) se alguém se feriu gravemente; ii) se houve pronto socorro por terceiros; iii) se a pessoa ferida estava consciente após o acidente; iv) se, em decorrência do atraso do socorro, houve alguma sequela e qual sua extensão; e v) se a vítima possuía condição física e emocional de conseguir sozinha ajuda, entre outros fatores.
Ao final, o relator assevera que é prudente averiguar as peculiaridades do caso concreto para constatação do dano moral, a partir dos seguintes parâmetros: i) se alguém se feriu gravemente; ii) se houve pronto socorro por terceiros; iii) se a pessoa ferida estava consciente após o acidente; iv) se, em decorrência do atraso do socorro, houve alguma sequela e qual sua extensão; e v) se a vítima possuía condição física e emocional de conseguir sozinha ajuda, entre outros fatores.
1 GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito Penal Esquematizado. Parte especial. 9. Ed. São Paulo. Saraiva Educação, 2019, pag. 231.
2 Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=2033119&num_registro=201200158692&data=20210430&peticao_numero=-1&formato=PDF.