DA MITIGAÇÃO À VEDAÇÃO DO MANEJO DE MANDADO DE SEGURANÇA PARA ENTREGA DE BENS E MERCADORIAS PROVENIENTES DO EXTERIOR
Cinco são os remédios constitucionais: habeas corpus, habeas data, ação popular, ação civil pública e o mandado de segurança. Diz a Constituição que este último é cabível para proteger direito líquido e certo, não amparável por habeas corpus ou habeas data (CF/88, art. 5º, LXIX). Por conseguinte, trata-se de ação eminentemente subsidiária, de rito especial, não comportando dilação probatória.
O MS pode ser preventivo ou repressivo, conforme se trate de ameaça de coação ou de ato coator já proferido, devendo ser interposto em face da autoridade coatora (ou da qual partiu a ordem lesiva aos direitos líquidos e certos do impetrante), em até cento e vinte dias contados da ciência do ato coator (em caso de MS repressivo).
O MS comporta discussão de questões de elevada complexidade jurídica (STF, Súmula nº. 625), entretanto, sendo ação eminentemente subjetiva, não pode atacar lei em tese (STF, Súmula nº. 266).
Não cabe MS quando há recurso administrativo com efeito suspensivo, decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo (o mandamus não é sucedâneo recursal) ou em face de decisão judicial transitada em julgado (Lei nº. 12.016/2009, art. 5º c/c STF, Súmula nº. 268).
É cabível concessão de liminar em MS se presentes os requisitos autorizadores do periculum in mora (perigo na demora) e do fumus boni iuris (probabilidade do direito), conforme art. 7º, III, da Lei nº. 12.016/2009 (Lei do MS), inclusive para suspender a exigibilidade de crédito tributário (CTN, art. 151, IV). Não obstante, existem exceções expressas, na legislação de regência, mormente o § 2º, do referido dispositivo, in verbis:
Art. 7º (...) § 2o Não será concedida medida liminar que tenha por objeto a compensação de créditos tributários, a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior, a reclassificação ou equiparação de servidores públicos e a concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza. (grifo nosso)
A vedação à liminar em MS quando o objeto for a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior atende a uma premente necessidade da administração alfandegária em assegurar o adimplemento dos respectivos créditos tributários incidentes sobre os bens e mercadorias oriundos do comércio exterior. Nesta toada, inclusive, o Supremo Tribunal Federal considerou constitucional vincular o despacho aduaneiro ao recolhimento da diferença tributária, apurada mediante arbitramento da autoridade fiscal, confira-se:
IMPORTAÇÃO – TRIBUTO E MULTA – MERCADORIA – DESPACHO ADUANEIRO – ARBITRAMENTO – DIFERENÇA – CONSTITUCIONALIDADE. Surge compatível com a Constituição Federal o condicionamento, do desembaraço aduaneiro de bem importado, ao pagamento de diferença tributária apurada por arbitramento da autoridade fiscal.
(STF, Plenário, RE 1090591, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Julg. 16.09.2020, Pub. 05.10.2020)
A regra do art. 7º, § 2º, porém, merece alguns temperos, à luz dos princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e dos fins sociais da norma. Suponha, por exemplo, navio de grande lastro, contendo centenas de containers abarrotados de materiais perecíveis, seria razoável aplicar a vedação supramencionada? E se não há nenhum sinal visível de fraude ou burla à fiscalização aduaneira, também seria razoável?
Atinentes a isso, tribunais pátrios vêm dando interpretações mitigadas ao dispositivo em comento. Destaque-se, por todos, o seguinte precedente do Egrégio Tribunal Regional Federal da 2ª Região:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. RECLASSIFICAÇÃO DA MERCADORIA. LAVRATURA DE AUTO DE INFRAÇÃO. INTERRUPÇÃO DO DESPACHO ADUANEIRO. EXIGÊNCIA DO PAGAMENTO COMPLEMENTAR. RETENÇÃO DOS BENS. DESCABIMENTO. SÚMULA Nº 323 DO STF. 1. Trata-se de agravo de instrumento interposto pela UNIÃO FEDERAL/FAZENDA, em face de decisão proferida pelo Juízo da 6ª Vara Federal Cível de Vitória/ES, nos autos do mandado de segurança n. 0024387- 26.2017.4.02.5001, que deferiu o pedido de medida liminar para determinar à autoridade impetrada a imediata continuidade do desembaraço aduaneiro das mercadorias constantes da Declaração de Importação - DI nº 17/0932060-7. 2. Ressalte-se que não se desconhece o comando legal inserto no § 2º do art. 7º da Lei n. 12.016/09, que veda a concessão de liminar que tenha por objeto a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior, no entanto, há atentar que tal regra, assim como aquela prevista no art. 1º da Lei n. 2.770/56, não possui natureza absoluta. Deveras, tal regra deve ser flexibilizada naqueles casos em que se trate de mercadorias perecíveis, ou mesmo nas hipóteses em que não se vislumbra qualquer indício de fraude na importação ou burla à fiscalização aduaneira, sob pena de se consubstanciar em verdadeiro entrave à efetividade da jurisdição. 3. No caso, o bem foi retido pela fiscalização aduaneira em face de necessidade de correção da classificação fiscal, o que enseja o recolhimento de diferenças tributárias, juros e multas. Não há qualquer notícia de que se trate de importação proibida, ou de que exista algum tipo de fraude na importação ou na documentação, e, tampouco, na natureza do bem importado, já que a discussão travada se circunscreve à correção da classificação fiscal e consequências daí advenientes. Com efeito, em razão da divergência quanto à classificação fiscal, o importador apresentou manifestação de inconformidade e o crédito foi constituído pela lavratura de auto de infração (Processo n. 12466.720414/2017-17), permanecendo retidos os bens em virtude da paralisação do procedimento de desembaraço aduaneiro. 4. A necessidade de correção da classificação fiscal ensejará apenas o recolhimento das diferenças tributárias, juros e multa, não justificando por si só, a retenção da mercadoria, de modo a obstar o seu desembaraço. (...) 8. Agravo de Instrumento não provido.
(TRF2, 4ª Turma Especializada, AI 0010691-85.2017.4.02.0000, Rel. Des. Fed. LUIZ ANTONIO SOARES, Julg. 12.11.2018, Pub. 21.11.2018) (grifo nosso)
Como se vê, exclui-se da vedação do art. 7º, § 2º, da Lei nº. 12.016/2009, hipóteses em que está em questão material perecível, ou nas quais não existam indícios de fraude na importação ou burla à fiscalização aduaneira. Isso porque vestir a norma com roupagem absoluta, colocaria em xeque o acesso à justiça.
As tutelas de urgência devem ser analisadas à luz das vicissitudes do caso concreto, de modo que mesmo restrições legais devem se submeter à análise da peculiaridade do caso, não ensejando aplicação automática.