DESVIO PRODUTIVO DO CONSUMIDOR: COMO A PERDA DE TEMPO TEM SIDO VISTA PELO MUNDO JURÍDICO?
Quanto vale o seu tempo?
Imagine que você possui uma conta na qual, todos os dias, são depositados R$ 86.400,00. Contudo, não é permitido guardar nem um centavo para outros dias e todas as noites o saldo é zerado, independente do quanto você tenha usado. O que você faria? Sem dúvida, se esforçaria para usar tudo. Pois bem, isso não é só imaginação. Todos nós somos clientes desse banco chamado tempo. A cada dia recebemos 86.400 segundos. Todas as noites a conta é zerada e todas manhãs reiniciada. Simples assim, não há volta, não se pode recuperar o tempo perdido, logo, devemos aproveitá-lo da melhor forma possível.
Provavelmente, você já se deparou com uma situação em que se viu “perdendo tempo”. Pode ter sido esperando na fila de atendimento do banco ou até mesmo tentando resolver administrativamente algum problema que teve decorrente de uma compra ou prestação de serviços.
A justiça tem solução para essa questão?
Numa sociedade em que tempo é dinheiro, a tão temida perda de tempo pode ter sérias consequências ao causador do problema.
O Jurista Marcos Dessaune desenvolveu a Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor. Trata-se da possibilidade de reparação ao consumidor que sofreu lesão em seu tempo existencial e sua vida digna, indenizável independente de comprovação específica do dano.
Muitas vezes, por conta de um problema no fornecimento de produtos ou serviços, o consumidor se vê duplamente lesado ao reclamar.
Isso ocorre por conta da resistência à rápida e efetiva resolução de tais questões pelos fornecedores, fazendo com que o cliente desprenda tempo vital, remaneje atividades por ele planejadas ou desejadas, bem como assuma deveres operacionais e custos materiais para satisfazer a lacuna deixada pelo fornecedor na hora de solucionar o problema.
Defende o jurista que, ao assumir esse comportamento, o consumidor lesiona seu bem jurídico mais precioso, sua própria vida e, consequentemente, os direitos fundamentais à educação, trabalho, descanso, lazer, convívio social, cuidados pessoais e consumo. Assim, resta inegavelmente violada a dignidade humana.
Ainda, importante ressaltar que o Desvio Produtivo do Consumidor também atinge os princípios constantes do CDC.
Ocorre que o cliente, que naturalmente se encontra em posição de vulnerabilidade quanto ao fornecedor – fato preceituado e protegido pela Constituição Federal – tem sua situação ainda mais prejudicada, eis que não é ele detentor dos meios que proporcionam a resolução mais fácil das problemáticas consumeristas.
Logo, o que anteriormente era visto pela jurisprudência como um “mero dissabor do cotidiano”, que não caracterizava dano moral e, portanto, não era indenizável, hoje adquiriu maior relevância, considerando-se que, com o desvio produtivo, o consumidor sofre de fato um dano extrapatrimonial e, nas palavras do Autor, “tem efeitos individuais e potencial repercussão coletiva, que, sendo um dano certo, imediato e injusto, é indenizável in re ipsa1”.
O raciocínio é simples: sendo o tempo o fator que dá suporte à vida, essencial à constituição da personalidade humana, uma lesão ao tempo fere imediatamente a existência do indivíduo, configurando o dano moral.
Cabe lembrar que o tempo é um recurso limitado e irrecuperável, demonstrando o quão graves são as consequências causadas pelo desvio produtivo do consumidor.
Em seu estudo, o Jurista enumerou alguns requisitos ou pressupostos necessários para a responsabilização do fornecedor pelo Desvio Produtivo do Consumidor, independentemente da existência de culpa:
1) o problema de consumo potencial ou efetivamente danoso ao consumidor;
2) a prática abusiva do fornecedor de se esquivar da responsabilidade pelo problema de consumo;
3) o fato ou evento danoso de desvio produtivo do consumidor,
4) o nexo causal existente entre a prática abusiva do fornecedor e o evento danoso dela resultante;
5) o dano extrapatrimonial de índole existencial sofrido pelo consumidor;
6) o dano emergente e/ou o lucro cessante sofrido pelo consumidor (requisito facultativo);
7) o dano coletivo (requisito facultativo).
Cabe pontuar que, para arbitramento da indenização, a jurisprudência chama a atenção para dois critérios a serem utilizados: o interesse ou bem
jurídico lesado e as circunstâncias do evento danoso, considerando o caso concreto.
Ambos os critérios mencionados devem atender ao caráter punitivo-pedagógico da condenação aplicada, de modo que coíba o fornecedor de reiterar ou manter a conduta lesiva.
A tese tem sido aderida pelo Superior Tribunal de Justiça, como comprovam os julgamentos do Recurso Especial nº 1.737.412, Recurso Especial nº 1.763.052, Agravo em Recurso Especial nº 1.167.382 e Agravo em Recurso Especial nº 1.167.245.
Podemos concluir, portanto, que a teoria teve ótima recepção na jurisprudência pátria, protegendo os consumidores das abusividades cometidas pelos fornecedores mal-intencionados.
Seu tempo é valioso, jamais renuncie a ele e busque a tutela de seus direitos.
Autoria: Ana Clara Gonçalves Flauzino – Estagiária