DIREITO AO ESQUECIMENTO: UMA PONDERAÇÃO DE PRINCÍPIOS PARA A GARANTIA DE DIREITOS FUNDAMENTAIS
O Direito ao Esquecimento consiste na garantia de que um fato sofrido ou cometido por alguém não o perseguirá eternamente. É, em termos simples, o direito de ser esquecido. Sua proteção encontra-se baseada no artigo 5º, X, da Constituição Federal, que prevê a inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrentes de sua violação.
Já os princípios não são propriamente normas jurídicas, mas parâmetros advindos dos valores sociais que auxiliam e norteiam a interpretação das referidas normas. No tema, destacamos a obra “Curso de Direito Constitucional” de André Ramos Tavares1, o qual cita os ensinamentos de Flórez-Valdés, que entende por princípios gerais de Direito: “(...) as ideias fundamentais sobre a organização jurídica de uma comunidade, emanadas da consciência social, que cumprem funções fundamentadora, interpretativa e supletiva a respeito de seu ordenamento jurídico”
Ocorre que a aplicação do Direito ao Esquecimento gera inúmeras discussões, já que, por não estar positivado como norma, enseja a ponderação entre princípios, principalmente os de proteção dos direitos individuais em contraponto com a liberdade de expressão, com o escopo de garantir a proteção aos direitos fundamentais.
Esse tema é tão relevante que foi cerne de discussão pelo Supremo Tribunal Federal. No dia 11 de fevereiro de 2021, o Tribunal negou provimento ao Recurso Extraordinário 1.010.606, com repercussão geral conhecida (Tema 786). No Recurso, familiares de Aída Curi, vítima de crime repugnante nos anos 1950 no Rio de Janeiro, buscavam a reparação pela reconstituição do caso televisionada pelo programa “Linha Direta”, da TV Globo, sem autorização.
A decisão do STF, por maioria de votos, foi a de que o direito ao esquecimento é incompatível com o prelecionado pela Constituição Federal. Conforme se depreende do discurso do Presidente Luiz Fux, em que pese dolorosa a lembrança do crime pelos familiares, não se pode deixar que um fato tão relevante seja levado pelo tempo e apagado, a fim de que sirva como uma forma de combate aos crimes cometidos contra as mulheres, os quais, em que pese a passagem do tempo, infelizmente subsistem. Pontuou o Jurista a relevância da questão em comento, eis que o mencionado crime está presente em múltiplos manuais de direito e é objeto de estudos pelos bacharelandos nas faculdades do país.
Ao fim, a seguinte tese foi fixada:
“É incompatível com a Constituição a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como o poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social analógicos ou digitais. Eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais - especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral - e as expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível”
Como se vê, o STF afastou a existência de um direito ao esquecimento, admitindo meramente a análise e limitações caso a caso.
Fato é que, quando falamos do referido direito, é essencial atentar-se aos princípios aplicáveis ao caso em concreto. Ora, num caso em que não há qualquer interesse público ou manifesta relevância social, permitir que uma pessoa permaneça marcada, sendo publicamente exposta e lembrada pelo resto de sua vida por um fato passado constitui verdadeira violação ao artigo 5º, X, da Constituição Federal, viola sua esfera privada.
Ao mesmo tempo, em casos excepcionais, entende-se que deve prevalecer a liberdade de expressão, desde que não se veiculem informações sensacionalistas, atendo-se à verdade dos fatos e após a devida ponderação pelo Julgador, sob pena de violação dos supramencionados direitos individuais.
Sendo assim, conclui-se que é essencial analisar, atentando-se às peculiaridades de cada processo, a existência de relevância na divulgação do caso perante a sociedade, a violação da intimidade, vida privada, honra e imagem dos envolvidos, e, assim, garantir os direitos fundamentais dos indivíduos, levando-se em consideração o decidido pelo Supremo.