DIREITO DA PERSONALIDADE: ENTENDIMENTO DO STJ SOBRE A RETOMADA DO NOME DE SOLTEIRA NA VIGÊNCIA DO CASAMENTO
O nome é o principal elemento que identifica a pessoa no mundo, de maneira que possui extrema relevância individual e social. Por razões de segurança, tendo em vista a inegável importância do nome nas relações jurídicas celebradas, os Tribunais sempre foram muito resistentes na concessão de pedidos de alteração do registro civil.
Entretanto, na contemporaneidade, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), a partir da ótica de preservação da dignidade humana e do nome como um direito da personalidade, tem flexibilizado os parâmetros para a alteração do registro civil.
Nesse sentido, em março de 2021, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça acolheu o pedido de alteração de registro civil de uma mulher que, ao se casar, havia adotado o sobrenome do marido, mas que alegou que esta alteração lhe trouxe abalos psicológicos e extremo desconforto.
Os direitos da personalidade são protegidos pelo nosso ordenamento jurídico de forma específica pelo Capítulo II do Código Civil de 2002. Quanto ao direito ao nome vale destacar o artigo 16 deste Código que estabelece que “toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome”.
Além do nome ser um elemento estruturante da personalidade e da dignidade da pessoa humana, uma vez que é a principal forma de identificação da pessoa na comunidade, importa também considerar que, especialmente o sobrenome, carrega em si a história da família, o que reluz o apego sentimental a este. No recente julgamento realizado pela Terceira Turma do STJ, a Ministra Nancy Andrighi salientou que a mudança do sobrenome é uma alteração substancial em um direito da personalidade, indissociável da própria pessoa humana¹ .
É importante destacar que, cultural e historicamente, é muito comum que a mulher incorpore o sobrenome do cônjuge, ao ponto que o revogado Código Civil de 1916 previa que a mulher assumia o apelido do marido pelo casamento² . Tal situação persistiu até edição da Lei nº 6.515/77 que introduziu a figura do divórcio no Brasil e alterou o Código Civil, de maneira que a adoção do sobrenome do marido passou a ser uma faculdade e não uma obrigação.
No caso analisado pelo STJ a mulher alegou que a incorporação do nome do marido, suprimindo o sobrenome familiar que ela carregava, gerou desconforto, sobretudo porque sempre foi reconhecida socialmente pelo sobrenome do pai, e que os únicos familiares que ainda carregavam o sobrenome estavam em grave situação de saúde, de maneira que corria o risco de o patrimônio familiar desaparecer.
Cabe destacar que, assim como no caso julgado pelo STJ, a alteração do nome civil não pode ser baseada em mera vaidade, é necessário apresentar razões concretas para retomar o nome de solteira, ou seja, comprovar que a mudança é essencial para preservação da identidade do ser. Outro requisito essencial é que a modificação não implique risco à segurança jurídica nem a terceiros.
Outrossim, importa salientar que a Ministra Relatora destacou que embora não haja previsão legal para a alteração, o direito ao nome deve ter entendido enquanto atributo dos direitos da personalidade, até mesmo porque a identificação do indivíduo pode se dar por outros meios, tais como o número do CPF e do RG.
Por fim, cumpre mencionar que da mesma maneira que é possível retomar o nome de solteira durante a vigência do casamento, também é permitido permanecer com o sobrenome adotado pelo casamento mesmo após o divórcio, conforme o artigo 1.571, §2º, do Código Civil3 . O fundamento é o mesmo, como o nome é um direito da personalidade, imprescindível para a identificação do sujeito e indissociável da dignidade humana, cabe à própria pessoa decidir se manterá o nome do ex-cônjuge ou não. Inclusive, o direito de alterar o nome de casado permanece mesmo após concluído o divórcio.4
Dessa maneira, conclui-se que a imprescindibilidade do nome na identificação dos indivíduos perante a sociedade faz com que o ordenamento jurídico lhe proteja sob a ótica da dignidade da pessoa humana, podendo ser alterado, de acordo com as flexibilizações estabelecidas pelo STJ, mediante justo motivo, sendo certo que a modificação não pode acarretar em prejuízo a terceiros, nem colocar em risco a segurança jurídica.
1STJ. Esposa arrependida por adotar sobrenome do marido poderá retomar nome de solteira, decide Terceira Turma. Disponível em: Acesso em: 10 abr. 2021
2 Art. 240. A mulher assume, pelo casamento, com os apelidos do marido, a condição de sua companheira, consorte e auxiliar nos encargos da família.
3 Art. 1.571. A sociedade conjugal termina:
(...)
§ 2 o Dissolvido o casamento pelo divórcio direto ou por conversão, o cônjuge poderá manter o nome de casado; salvo, no segundo caso, dispondo em contrário a sentença de separação judicial.
4 TJ-SC – AC. 0300509-37.2016.8.24.0070, Taió 0300509-37.2016.8.24.0070, Relator: Selso de Oliveira, Data de Julgamento: 07/02/2019, Quarta Câmara de Direito Civil.