É POSSÍVEL HAVER PENHORA DE BEM DE FAMÍLIA DO FIADOR DE CONTRATO DE LOCAÇÃO?
É POSSÍVEL HAVER PENHORA DE BEM DE FAMÍLIA DO FIADOR DE CONTRATO DE LOCAÇÃO?
Fiador é aquele que se compromete, mediante assinatura de instrumento contratual escrito, a satisfazer uma obrigação assumida pelo afiançado caso este reste inadimplente.
Para tanto, cabem diversas medidas coercitivas, inclusive a penhora de seus bens, se for necessário. Mas e se o Fiador apenas possuir disponível para penhora o bem de família? É possível que um bem tão protegido pela legislação civil seja objeto de garantia obrigacional?
Compreende-se como bem de família aquele imóvel no qual se estabelece residência, sendo, a princípio, indisponível, como regulamenta a Lei 8.009/90 (Lei de Impenhorabilidade do Bem de Família).
O artigo 1º da referida Lei prevê que o imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas na própria lei.
Já o artigo 5º da mesma Lei considera como imóvel residencial aquele utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente.
O legislador objetivou, com tal redação, proteger a família de eventuais condenações judiciais, evitando que fosse violado o direito fundamental de moradia.
Geralmente, nos tornamos Fiadores de pessoas que temos apreço e confiamos, contudo, não há como prever o futuro. Em que pese a melhor das intenções e racionalidade ao se tornar Fiador em um contrato de locação, é preciso ter ciência dos riscos deste ato.
A própria Lei de Impenhorabilidade do Bem de Família prevê casos de exceção à regra, como ocorre na hipótese que aqui comentamos.
Prevê o artigo 3º, inciso VII da Lei 8.009/90 que “A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: (...) VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.”.
Ainda, a Súmula 549 do Superior Tribunal de Justiça versa que “É válida a penhora de bem de família pertencente ao fiador de contrato de locação.”.
Sendo assim, enquanto Fiador, o indivíduo poderá responder com seu próprio patrimônio, não incidindo a impenhorabilidade característica do bem de família, caso a fiança esteja prevista em contrato de locação residencial.
Contudo, importante destacar o entendimento recente dos Supremo Tribunal Federal, que limita a penhorabilidade do bem de família do Fiador em contratos de locação comercial.
Entende o STF que tal hipótese é inadmissível, já que permitir a penhora de bem de família para evitar o inadimplemento em contratos de locação comercial é incondizente com a proteção constitucional ao direito fundamental de moradia.
Inclusive, é esse o entendimento que se vê no Acórdão proferido em julgamento do Recurso Extraordinário nº 605709, cuja Ementa é a seguinte:
“E M E N T A RECURSO EXTRAORDINÁRIO MANEJADO CONTRA ACÓRDÃO PUBLICADO EM 31.8.2005. INSUBMISSÃO À SISTEMÁTICA DA REPERCUSSÃO GERAL. PREMISSAS DISTINTAS DAS VERIFICADAS EM PRECEDENTES DESTA SUPREMA CORTE, QUE ABORDARAM GARANTIA FIDEJUSSÓRIA EM LOCAÇÃO RESIDENCIAL. CASO CONCRETO QUE ENVOLVE DÍVIDA DECORRENTE DE CONTRATO DE LOCAÇÃO DE IMÓVEL COMERCIAL. PENHORA DE BEM DE FAMÍLIA DO FIADOR. INCOMPATIBILIDADE COM O DIREITO À MORADIA E COM O PRINCÍPIO DA ISONOMIA. 1. A dignidade da pessoa humana e a proteção à família exigem que se ponham ao abrigo da constrição e da alienação forçada determinados bens. É o que ocorre com o bem de família do fiador, destinado à sua moradia, cujo sacrifício não pode ser exigido a pretexto de satisfazer o crédito de locador de imóvel comercial ou de estimular a livre iniciativa. Interpretação do art. 3º, VII, da Lei nº 8.009/1990 não recepcionada pela EC nº 26/2000. 2. A restrição do direito à moradia do fiador em contrato de locação comercial tampouco se justifica à luz do princípio da isonomia. Eventual bem de família de propriedade do locatário não se sujeitará à constrição e alienação forçada, para o fim de satisfazer valores devidos ao locador. Não se vislumbra justificativa para que o devedor principal, afiançado, goze de situação mais benéfica do que a conferida ao fiador, sobretudo porque tal disparidade de tratamento, ao contrário do que se verifica na locação de imóvel residencial, não se presta à promoção do próprio direito à moradia. 3. Premissas fáticas distintivas impedem a submissão do caso concreto, que envolve contrato de locação comercial, às mesmas balizas que orientaram a decisão proferida, por esta Suprema Corte, ao exame do tema nº 295 da repercussão geral, restrita aquela à análise da constitucionalidade da penhora do bem de família do fiador em contrato de locação residencial. 4. Recurso extraordinário conhecido e provido.”
Recentemente, ao julgar o Recurso Extraordinário nº 1.296.835, cujo Acórdão foi publicado no dia 01 de fevereiro de 2021, o Supremo Tribunal Federal reforçou esse entendimento.
Pelo exposto, podemos concluir que, atualmente, a jurisprudência majoritária é no sentido da possibilidade de penhorar-se o bem de família do Fiador caso a garantia esteja prevista em contrato de locação residencial. Já no caso das locações comerciais, não cabe a referida medida constritiva.
A supramencionada divergência fundamenta-se no objetivo de cada garantia. Enquanto a primeira visa proteger o direito fundamental de moradia, a segunda persegue a manutenção da atividade empresarial e viabilização do lucro. Nesse sentido, entende-se que o direito de auferir ganhos não pode ser sobreposto ao direito de possuir um local de morada, esse, direito fundamental constitucionalmente assegurado.
Como se vê, figurar como fiador em um contrato de locação significa adquirir grandes responsabilidades. Portanto, seja esse seu objetivo, é essencial ser orientado por uma equipe de advogados preparada e experiente.
Autoria: ANA CLARA GONÇALVES FLAUZINO - Estagiária