HÁ DIALÉTICA ENTRE OS PRINCÍPIOS DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO E A PROTEÇÃO DA PRIVACIDADE NO MUNDO VIRTUAL?
Os limites existentes entre a liberdade de expressão e ao direito à privacidade são pauta de grandes discussões, seja nas grandes cortes brasileiras ou em conversas triviais. Embora esses princípios sejam tão vastos que possam incidir desde a nossa vida financeira até a particular, o debate é mais intenso e delimitado ao web espaço.
A questão mais marcante nessa discussão é que uma vez que determinada informação é inserida na internet, dificilmente haverá sua neutralização total. Essa característica tem seus pontos positivos e negativos a depender do caso, e os princípios citados serão de suma importância para o controle jurídicos dos atos praticados na internet.
A liberdade de expressão é um princípio garantido constitucionalmente de forma geral e, como todos os direitos fundamentais, comporta relativização. O Marco Civil da internet – lei nº 12.965/04 – veio como o primeiro diploma legal brasileiro a tratar o princípio voltado para internet, protegendo e consagrando-o. Destaca-se que a liberdade de expressão deve ser exercida mediante juízo de austeridade e proporcionalidade de cada indivíduo, evitando seus atos levem ofensa à honra de outrem. Esse mesmo pensamento não se limita somente a outra pessoa, mas também a grupos sociais, podendo configurar o chamado dano moral coletivo, que é a injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade.
É importante destacar são vedadas manifestações de pensamento que sejam consideradas imorais, preconceituosas e que incitem o ódio e a violência. Da mesma forma que se configuraria um crime proferir tais palavras para outro indivíduo presencialmente, na internet ocorre da mesma forma.
De fato, a Constituição Federal de 1988 deixa evidente a consagração do princípio da liberdade de expressão, mas logo em seguida traz a ressalva da vedação ao anonimato. Embora a facilidade do anonimato faça as pessoas acreditarem que a internet é uma “terra sem lei”, não é dessa forma que é visto em nossos tribunais. Discussões acerca da limitação da liberdade de expressão são comuns no meio jurídico, sendo apresentadas geralmente num emblemático debate: até que ponto a liberdade de expressão pode interferir na privacidade do outro?
Antes de adentrar na resposta, cumpre esclarecer o conceito do princípio da proteção à privacidade. Comumente referenciado como direito à privacidade, é um direito constitucionalmente consagrado pelo artigo 5º, inciso X na seguinte forma: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
Embora pareça imponente na teoria, como fazer para proteger a intimidade em um ambiente mundial, que é a internet? A liberdade de expressão é um direito assegurado na maioria dos países do globo, e a interatividade possibilitada pela internet coloca em pauta novas situações sensíveis ao direito.
Sabe-se que no campo jurídico tudo é relativo e, a fim de solucionar eventuais conflitos entre os dois institutos, a solução aplicada é a ponderação entre eles. Os critérios usados para limitar a liberdade de expressão são o seu exercício sem ultrapassar os limites morais, éticos e legais, isto é, sem ofender, caluniar, difamar e/ou injuriar. Destaca-se que citar nomes de forma pejorativa também pode configurar prática lesiva.
Apesar de a liberdade de crítica ser muita das vezes usada nas redes sociais, ela deve estar em um contexto da liberdade de expressão. Caso esse limite seja ultrapassado, caberá à pessoa ou instituição atingida o direito de recorrer ao órgão competente por ter sofrido danos morais. É importante ter cautela e bom senso no momento de usá-las.
Muitas vezes esses limites impostos são confundidos como censura, mas há ledo engano nessa afirmação visto que o limite só é imposto nos casos em que ocorrerem violação ao direito de outrem. A censura pressupõe um corte à manifestação de pensamento ou, ainda, um silenciamento posterior com base em pressupostos de ordem ideológico-políticos. Em muito se diferencia da ponderação dos princípios constitucionais, pois nesse caso só há responsabilização de pessoas que abusarem ao ponto de lesarem outros direitos.
O STF recentemente, em fevereiro de 2021, negou provimento ao Recurso Extraordinário 1.010.606, com repercussão geral conhecida no Tema 786. Trata-se de discussão invocada por determinada pessoa, onde almejava que determinados fatos do passado não sejam mais publicizados, mesmo que sejam verdadeiros. Comumente chamado como direito ao esquecimento, ele foi considerado incompatível com a Constituição Federal pela Suprema Corte.
Firmaram o entendimento da seguinte forma: "É incompatível com a Constituição Federal a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como o poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social - analógicos ou digitais. Eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais, especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral, e as expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível".
Conforme explicitado, eventuais abusos nas relações devem ser analisados e sopesados caso a caso conforme a ponderação dos princípios e valores, não havendo uma receita pronto a ser seguida. O STF decidiu que o direito ao esquecimento não pode ser utilizado de forma abstrata para impedir a veiculação de fatos verdadeiros e obtidos de forma legal, mesmo com o passar de muito tempo.
Por fim, cabe frisar que isso não se configurou como uma carta branca permissiva para abusos. Apesar da não existência do direito ao esquecimento, caso alguém acabe sendo vítima de abusos poderá recorrer ao Poder Judiciário que fará a análise do caso concreto para compatibilizar o exercício do direito à liberdade de expressão e imprensa com outros direitos importantes, como a intimidade e a vida privada. Isso prova, portanto, que não há dialética entre os princípios discutidos, afinal, ambos são constitucionalmente assegurados e não possuem hierarquia entre si.