LIMITES À PUBLICIDADE: A JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS SUPERIORES ACERCA DAS PROPAGANDAS DIRIGIDIDAS ÀS CRIANÇAS
Em 2016 o Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp 1.558.0861 criou o seu primeiro precedente que considerou como abusiva a publicidade de alimentos dirigida direta ou indiretamente ao público infantil. Na oportunidade o Ministro Relator, Humberto Martins, apontou a ilegalidade de campanhas publicitárias que utilizem ou manipulem o universo lúdico infantil 2.
Referido recurso foi interposto pela empresa Pandurata Alimentos, da marca Bauduco, após o Tribunal de Justiça de São Paulo considerar como abusiva a publicidade feita pela marca que condicionava a aquisição de um relógio de pulso com a imagem do personagem animado Shrek à apresentação de cinco embalagens do produto “Gulosos”.
Nesse sentido o STJ firmou entendimento no sentido de que é abusivo o marketing de alimentos, isto é, a publicidade ou promoção de venda, dirigida explícita ou implicitamente às crianças, uma vez que a decisão sobre a compra e consumo de gêneros alimentícios deve incumbir aos pais, sobretudo em razão do alarmante aumento nos casos de obesidade infantil registrados na contemporaneidade.
Em 2017 o STJ reafirmou sua posição no julgamento do REsp 1.613.561 que envolvia uma campanha publicitária direcionada ao público infanto-juvenil veiculada pela Sadia em 2007, na qual se incentivava a troca de selos impressos nas embalagens dos congelados e embutidos vendidos pela marca por mascotes de pelúcia dos Jogos Pan-Americanos 3.
O Ministro Relator Herman Benjamin destacou em seu voto que a publicidade é uma oferta e, portanto, um ato precursor da celebração de um contrato de consumo, que nada mais é do que um negócio jurídico que para ser válido depende da existência de sujeito capaz, conforme disposto no artigo 104, I, do Código Civil. Dessa forma, como as crianças não possuem poder de consentimento, não devem ser destinatárias de publicidade.
1 STJ, REsp 1.558.086 . Disponível em: <https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=149 5560&num_registro=201500615780&data=20160415&peticao_numero=-1&formato=PDF>
2 Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticiasantigas/2019/2019-03-17_06-50_Decisao-historica-condenou-propaganda-de-alimentos-dirigida-aopublico-infantil.aspx
3 STJ, REsp 1.613.561. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=153 7820&num_registro=201600171682&data=20200901&peticao_numero=-1&formato=PDF
O fundamento legal que corrobora as posições acima firmadas, encontra-se consolidado no artigo 37, §2º, do Código de Defesa do Consumidor, veja:
Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.
§ 2° É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.
Ademais, o Marco Legal da Primeira Infância (Lei nº 13.257/2016) dispõe acerca da proteção das crianças contra toda forma de pressão consumista:
Art. 5º Constituem áreas prioritárias para as políticas públicas para a primeira infância a saúde, a alimentação e a nutrição, a educação infantil, a convivência familiar e comunitária, a assistência social à família da criança, a cultura, o brincar e o lazer, o espaço e o meio ambiente, bem como a proteção contra toda forma de violência e de pressão consumista, a prevenção de acidentes e a adoção de medidas que evitem a exposição precoce à comunicação mercadológica.
Em março de 2021 o Supremo Tribunal Federal também se manifestou sobre o tema ao julgar a ADI 5631 proposta em face da Lei nº 13.582/2016 do Estado da Bahia que restringe a publicidade infantil de produtos de baixo valor nutricional. Na oportunidade a Corte destacou que é proporcional a restrição à liberdade de expressão comercial mediante lei que limita as propagandas destinadas ao público infantil, visando proteger a saúde de crianças e adolescentes 4.
Os entendimentos firmados pelas Cortes Superiores representam um importante avanço no controle da publicidade, sobretudo nos tempos atuais com a disseminação das redes sociais, e consequentemente, do marketing digital. Dessa forma, considerando que as crianças e os adolescentes recebem especial proteção em nosso ordenamento jurídico, justamente por serem considerados como indivíduos com capacidade de discernimento em desenvolvimento, os conteúdos publicitários destinados a este público precisam de especial atenção pela legislação tendo em vista a influência que podem exercem sobre eles.
44 STF, ADI 5631. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15346537822&ext=.pdf