MULTIPARENTALIDADE: CONCEITO, O REGISTRO E SEUS EFEITOS JURÍDICOS
Com o advento da Constituição Federal de 1988, a concepção sobre o que é família sofreu algumas alterações, em razão dos novos princípios norteadores do Direito de Família.
Dentre eles, a principal mudança e a mais abrangente foi o reconhecimento de vínculos familiares diferentes daquela concepção tradicional advinda do casamento como único instrumento capaz de constituir família.
Desse modo, passa- se a reconhecer diversas entidades familiares, com diversas configurações, a fim de concretizar o princípio da dignidade da pessoa humana, conferindo a mesma proteção da Lei que era dada, até então, aos modelos tradicionais, ou seja, aqueles formados por um homem, uma mulher e sua prole.
Assim, passamos a reconhecer o vínculo familiar em entidades formadas por apenas um dos pais e sua prole, ou a família formada por irmãos, chamada anaparental, por exemplo. Vale destacar que não estamos tratando de laços amorosos, mas afetivos, ou seja, na relação pautada pela convivência familiar.
Diante disso, buscamos destacar um tipo de vínculo reconhecido especialmente pela afetividade entre os membros de uma família, chamado multiparentalidade. Talvez, à princípio, pareça algo inovador, mas a verdade é que no campo fático, essa configuração é bastante comum atualmente.
Assim, a luz do art. 1.593 do CC/2002, que determina que o parentesco será natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem, a família multiparental será aquela formada a partir do reconhecimento e da legitimação da paternidade ou maternidade do padrasto ou madrasta para com seus enteados, sem deslegitimar a paternidade ou maternidade dos pais biológicos.
Diferentemente da adoção unilateral, que tem como consequência o desvinculamento do genitor anterior, a multiparentalidade permite o reconhecimento concomitante do vínculo afetivo e o biológico, inclusive para fins registrais.
Nesse sentido, a Corregedoria Nacional do Conselho Nacional de Justiça estabeleceu regras para o reconhecimento socioafetivo pela da via extrajudicial, por meio do Provimento nº 83/2019, de modo que, nos termos do art. 54 da Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/73), deverão constar na certidão de nascimento o nome do pai, da mãe e dos seus ascendentes diretos, incluindo- se no instrumento, o pai ou mãe socioafetivo e seus ascendentes, estabelecendo- se um dos principais efeitos da multiparentalidade, que é a filiação.
Ocorre que tal provimento limita o reconhecimento unilateral, sendo vedado que o mesmo indivíduo tenha um pai e uma mãe socioafetivos (art. 14, §1º), buscando afastar uma possível burla ao instituto da adoção.
Ainda com base neste provimento, somente crianças a partir dos 12 (doze) anos de idade poderão se valer do registro extrajudicial para terem em sua certidão o nome de seu pai ou mãe socioafetivo.
Por fim, o registrador que receber o pedido de reconhecimento deverá instruir a solicitação com os documentos exigidos, atestando a existência do vínculo de paternidade ou maternidade socioafetiva (art. 10- A, §1º) e remetendo ao Ministério Público para que este dê seu parecer (art. 11, §9º), que, sendo favorável, autorizará o Cartório a proceder ao registro da filiação. Não o sendo, o registrador arquivará o pedido e comunicará ao requerente.
Os casos que não puderem ser realizados pela via extrajudicial, seja por se tratar de menor de 12 (doze) anos ou por ter seu pedido arquivado, poderão ser levados ao Poder Judiciário a fim de ter o vínculo reconhecido.
Sobre os efeitos da filiação por meio do reconhecimento da multiparentalidade, tem- se que todos os pais (biológico e socioafetivo) serão igualmente responsáveis pelo filho, seja no campo das responsabilidades familiares, como de assistência, educação, guarda e sustento, inclusive as obrigações alimentares, tal qual estabelecido na Constituição Federal, art. 229, e no Código Civil, art. 1.634 c/c art. 1.566, IV, ou no que se refere à responsabilidade pela reparação civil, em razão de atos ilícitos cometidos pelos menores, nos termos do art. 932, I do CC/2002.
Ainda, para fins sucessórios, cada um dos herdeiros receberá o seu quinhão, sem qualquer discriminação entre os filhos biológicos e socioafetivos, cuja a distinção feita até aqui se faz somente para fins didáticos.
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Autora: Luiza Vital de Freitas – Estagiária