O EXERCÍCIO DO DIREITO DE RETIRADA EM SOCIEDADE LIMITADA POR PRAZO INDETERMINADO
Quando entramos em sociedade, geralmente o fazemos com pessoas que são de nossa confiança. No entanto, conforme o tempo passa, as relações sociais podem se desgastar, talvez o objetivo da empresa não seja mais exequível, ou sequer o retorno do que foi investido justifique a manutenção da sociedade. Nesses casos, um sócio pode decidir sair da sociedade empresária - eis a primeira e mais importante decisão a se tomar -, isto é, exercer seu direito de retirada, surgindo assim a questão sobre quais os próximos passos a serem adotados.
O Código Civil estabelece hipóteses para retirada do sócio dissidente. Basicamente, um sócio pode ceder sua quota a outro sócio ou terceiros (1), dissolver parcialmente a sociedade (2), ou dissolvê-la judicialmente (3).
(1) Nesse primeiro caso, o sócio retirante pode ceder sua quota, total ou parcialmente, a quem seja sócio ou a estranho, caso não haja oposição de titulares de mais de um quarto do capital social (CC, art. 1.057, caput).
Assim, em uma sociedade limitada com cinco sócios, um deles poderá vender integralmente sua quota a terceiro ou a outro sócio, bastando que pelo menos três dos demais concordem com a cessão.
O Contrato Social pode dispor condições para cessão e até mesmo ampliar o mínimo legal de anuentes. De todo modo, destaque-se que é imprescindível a averbação do instrumento de cessão, subscrito pelos sócios anuentes, para que tenha eficácia quanto à sociedade e terceiros (CC, art. 1.057, parágrafo único).
(2) Qualquer sócio pode se retirar da sociedade de prazo indeterminado mediante notificação, com antecedência, aos demais sócios (CC, art. 1.029). A antecedência deve ser de pelo menos sessenta dias, não obstante, o Contrato Social pode estabelecer um prazo maior para tanto.
Nesta hipótese, o valor da quota do sócio retirante, considerada pelo montante efetivamente realizado, será liquidado com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verifica em balanço especialmente levantado (CC, art. 1.031).
O balanço especial nada mais é que um balanço patrimonial especialmente levantado para apuração dos valores que o sócio retirante tem direito na data de dissolução. Consiste em procedimento societário/contábil que avalia o patrimônio real de uma sociedade, definindo-se, por conseguinte, o valor da participação societária de cada sócio. O balanço é essencialmente técnico, sendo realizado por profissional habilitado, usualmente contador.
Em tese, o balanço especial leva em conta os valores de saída, quando não previsto diversamente no contrato social (CPC/2015, art. 606). Ou seja, o balanço especial irá contabilizar o valor de mercado atualizado dos bens, direitos e obrigações integrantes do acervo patrimonial (sejam eles ativos ou passivos).
O Superior Tribunal de Justiça considera o método denominado “fluxo de caixa descontado” (doravante, FCD) aquele que “melhor revela a situação econômica e a capacidade de geração de riqueza de uma empresa”, podendo ser aplicado “juntamente com o balanço de determinação na apuração de haveres” do sócio retirante (STJ, Terceira Turma, REsp 1335619, Rel. Min. NANCY ANDRIGHI, Julg. 03.03.2015, DJe 27.03.2015).
O FCD consiste em uma metodologia concebida para avaliar o retorno do capital investido. É utilizado para analisar o valor de mercado de uma empresa, com base no lucro que pode gerar no futuro, e se baseia em quatro elementos: projeção do fluxo de caixa, cálculo do valor presente dos fluxos de caixa futuros, determinação da taxa de desconto e estimativa do valor da empresa.
Uma vez feita a opção de retirada, e apurados os haveres, a quota liquidada será paga em dinheiro em até noventa dias da liquidação, salvo acordo em contrário (CC, art. 1.031, § 2º). A obrigação de pagar a participação do retirante recai à sociedade que, se resistir ao adimplemento, ou seja, ao pagamento do que é devido, deverá ser cobrada judicialmente.
O capital social sofrerá a correspondente redução, salvo se os demais sócios suprirem o valor da quota (CC, art. 1.031, § 1º). Por exemplo, imagine uma sociedade com três sócios e R$ 30.000,00 de capital social distribuído em 30.000 quotas de R$ 1,00, com cada sócio possuindo igualmente 10.000 quotas. Se um dos sócios se retirar, o capital social será reduzido a R$ 20.000,00, a menos que os dois remanescentes integralizem a parte do que se retirou, ou seja, façam um novo aporte de R$ 10.000,00.
(3) Outra hipótese é a dissolução judicial da sociedade que, segundo o Código Civil, deve ocorrer mediante anulação da constituição ou pelo exaurimento ou verificação de inexequibilidade do fim social (CC, art. 1.034).
Permite, ainda, o Código de Processo Civil ação de dissolução parcial da sociedade, quando resistida a pretensão de retirada, por não concordar o retirante com a apuração de haveres ou, tendo sido realizada, não ter ocorrido a resolução (CPC, art. 599). Neste caso, a ação deverá ser proposta pelo sócio que exerceu o direito de retirada se não tiver sido providenciada, pelos demais sócios, a alteração contratual formalizando o desligamento em até dez dias do exercício do direito (CPC, art. 600).
Por exemplo, João, Augusto e Pedro formam sociedade limitada com capital social de R$ 12.000,00, dividido em 12.000 quotas iguais de R$ 1,00, sendo 4.000 quotas para cada sócio.
Imagine agora que João deseja se retirar da sociedade, mas Augusto e Pedro se recusam a realizar o levantamento do balanço especial ou criam embaraços, nessa hipótese João poderá entrar com uma ação de dissolução parcial.
Suponha, de outra sorte, que Augusto e Pedro, amargurados com a saída de João, até concordam com levar adiante a retirada, mas fazem levantamento patrimonial com base no valor de entrada, não de saída. Neste caso, João, discordando da apuração de haveres, também poderá entrar com ação de dissolução parcial.
Por fim, se tudo estiver certo, mas resistirem os sócios a averbar a dissolução parcial, João também poderá procurar abrigo no Poder Judiciário e requerer que sejam aqueles obrigados a proceder à resolução.