O PECULIAR CASO DO CIDADÃO ESTRANGEIRO
Consoante artigo 1º, parágrafo único, da Constituição Federal, todo “poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Disposição importantíssima, ressalta o caráter democrático da Constituição, e elege a democracia participativa como regime político do Estado brasileiro, traça, assim, as bases para o exercício dos direitos políticos ativos e passivos, adiante esmiuçados no art. 14 da Carta Maior.
Nesse sentido, cidadão é todo aquele que tem capacidade para exercer direitos políticos ativos ou passivos, isto é, votar e ser votado. Mas não somente, o cidadão brasileiro tem o privilégio de ser consultado na conformação da vontade nacional por meio do plesbicito e do referendo, pode ainda apresentar ação popular contra atos lesivos ao erário público, à moralidade administrativa, ao meio ambiente, pode, conjuntamente com outros cidadãos, iniciar projeto de lei ordinária ou complementar, e pode ainda acusar o próprio Presidente da República, bem como seus ministros, por crime de responsabilidade.
Regra geral, veda a Constituição a cidadania aos estrangeiros e aos conscritos (art. 14, § 2º)¹ , bem como aos menores de dezesseis anos. Mas há exceções?
Por mais inusual que possa parecer, existe ao menos uma hipótese, uma única exceção reconhecida, à mencionada regra geral: o caso do português equiparado.
Visando integração maior com a comunidade lusófona, a Constituição prevê ao estrangeiro de país de língua portuguesa um prazo exíguo de permanência no território nacional (um ano), e requisitos bem mais singelos, ou seja, basta a prova de idoneidade moral para que possa requerer a naturalização à autoridade brasileira, ainda que seja de sua discricionariedade conferi-la ou não (art. 12, II, “a”).²
Mas não somente, para o português a Carta Magna confere privilégio ainda mais exclusivo:
¹ Art. 14 (...) § 2º Não podem alistar-se como eleitores os estrangeiros e, durante o período do serviço militar obrigatório, os conscritos.
² Art. 12. São brasileiros: II - naturalizados: a) os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos originários de países de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral;
Art. 12 (...) § 1º Aos portugueses com residência permanente no País, se houver reciprocidade em favor de brasileiros, serão atribuídos os direitos inerentes ao brasileiro, salvo os casos previstos nesta Constituição.
Ou seja, ainda que o português continue sendo português, poderá exercer os mesmos direitos civis de todos os brasileiros (salvo as exceções expressas constantes da Constituição).
Ato contínuo, em 19 de setembro de 2001, por meio do Decreto nº. 3.927, foi promulgado, e definitivamente incorporado no direito interno, o Tratado da Amizade, Cooperação e Consulta, celebrado entre a República Federativa do Brasil e a República Portuguesa. Dentre várias disposições, o Decreto estabeleceu o seguinte:
Artigo 17
1. O gozo de direitos políticos por brasileiros em Portugal e por portugueses no Brasil só será reconhecido aos que tiverem três anos de residência habitual e depende de requerimento à autoridade competente.
2. A igualdade quanto aos direitos políticos não abrange as pessoas que, no Estado da nacionalidade, houverem sido privadas de direitos equivalentes.
3. O gozo de direitos políticos no Estado de residência importa na suspensão do exercício dos mesmos direitos no Estado da nacionalidade.
Desse modo, o cidadão português que residir no país, habitualmente (ou seja, não pode usar o Brasil apenas de destino de férias), por pelo menos três anos, também poderá requisitar a cidadania brasileira, podendo votar (e ser votado!), acusar o Presidente da República por crime de responsabilidade, participar de plesbicito ou referendo, iniciar projeto de lei ordinária ou complementar, e apresentar ação popular.
Nesse sentido, a jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça já reconheceu até mesmo um “princípio constitucional de isonomia entre o brasileiro nato e o português equiparado”, veja-se:
PROCESSO CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ARTIGO 25, INCISOS I A V, E PARÁGRAFOS 1º E 2º, DA LEI 4.504/64. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356 DO C. STF. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA ISONOMIA ENTRE O BRASILEIRO NATO E O PORTUGUÊS EQUIPARADO. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1. Ausência de prequestionamento das disposições infraconstitucionais apontadas como violadas. Aplicação das Súmulas 282 e 356 do C. STF. 2. Aresto recorrido que aplicou o princípio constitucional da isonomia entre o brasileiro nato e o português equiparado previsto na Carta Federal de 1967, sendo certo que, o referido princípio constitucional está atualmente também previsto na Constituição Federal de 1988, o que atrai a competência do Colendo Supremo Tribunal Federal para seu reexame. 3. Necessidade de reexame de provas para a finalidade de conhecer das alegações atinentes à violação do art. 25 da Lei 4.504/64. Aplicação da Súmula 07/STJ. 4. Agravo regimental improvido. (STJ, 1ª Turma, Rel. Min. LUIZ FUX, AgRg no REsp 494285, Julg. 28.10.2003, DJ 17.11.2003)
De outro lado, o “português equiparado” não é plenamente equiparado ao brasileiro nato ou natural, de modo que não pode prestar serviço militar no Brasil, além de estar sujeito à expulsão e à extradição, quando requerida pelo governo português, não estando apto, ademais, a receber proteção diplomática no exterior - que, por óbvio, deverá ser prestada por Portugal -, muito menos pode ocupar dos cargos constitucionalmente reservados aos brasileiros natos (CF/88, art. 12, § 3º)³ .
Isso não significa que o nascido português jamais poderá gozar de quaisquer das prerrogativas retromencionadas: para tanto, deverá seguir o procedimento de naturalização, sendo certo que por ser originário de país lusófono, poderá requerer a naturalização antes mesmo de estar apto a gozar de direitos políticos na condição de equiparado (como supra ressaltado, em um ano), ou, caso não caia nas graças da autoridade administrativa, em quinze anos, desde que ausente condenação penal, consoante art. 12, II, “b”, da Constituição Federal 4.
3 Art. 12 (...) § 3º São privativos de brasileiro nato os cargos:
I - de Presidente e Vice-Presidente da República;
II - de Presidente da Câmara dos Deputados;
III - de Presidente do Senado Federal;
IV - de Ministro do Supremo Tribunal Federal;
V - da carreira diplomática;
VI - de oficial das Forças Armadas.
VII - de Ministro de Estado da Defesa.
4 Art. 12. São brasileiros: (...) II – naturalizados: (...) b) os estrangeiros de qualquer nacionalidade, residentes na República Federativa do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira.