PLANO DE SAÚDE: É ABUSIVA A CLÁUSULA CONTRATUAL QUE VEDA O TRATAMENTO DOMICILIAR (HOME CARE) PARA DOENÇAS COBERTAS PELO PLANO.
A fim de reafirmar a proteção do consumidor contra cláusulas abusivas frente aos planos de saúde, o Superior Tribunal de Justiça firmou tese1 que vinha sendo reiterada em diversas decisões, de que as operadoras podem estabelecer as doenças que terão cobertura, mas não o tipo de tratamento utilizado para a cura de cada uma, sendo abusiva a cláusula contratual que exclui tratamento domiciliar quando essencial para garantir a saúde ou a vida do segurado, seguido de solicitação do médico que acompanha o paciente.
O Código de Defesa do Consumidor (CDC) dedica às cláusulas abusivas uma seção exclusiva do seu diploma, no art.51 e seguintes. Neles, elenca de maneira ostensiva, mas não exauriente, quais parâmetros utilizados para determinar quando as cláusulas serão consideradas abusivas, causando ao consumidor danos de ordem moral ou material.
Na forma do art. 51, IV, do CDC “são nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que […] estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade”.
Significa dizer que tais cláusulas não poderiam ter gerado quaisquer efeitos desde o início, assim, a declaração de nulidade retroagirá e os eventuais danos serão ressarcidos.
Logo, as cláusulas constantes dos contratos de planos de saúde que expressamente excluírem a cobertura de tratamento domiciliar para doenças que oferecem cobertura, serão consideradas abusivas e, consequentemente, nulas, devendo ser prestado nos termos da recomendação médica.
Algumas operadoras buscam afastar sua responsabilidade alegando que não se verifica a modalidade de tratamento home care no rol de cobertura mínima obrigatória prevista pela Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS.
Foi o que ocorreu em sede do Recurso Especial nº 1.378.707-RJ2 interposto pela Omint Serviços de Saúde LTDA., sustentando que não poderiam arcar com tratamentos não previstos no contrato, e sequer no rol da ANS.
Em que pese tal argumentação, a 3ª Turma do STJ reafirmou a decisão do juízo de 2ª instância no sentido de que o tratamento domiciliar, quando determinado pelo médico, deve ser custeado pelo plano de saúde mesmo que não haja previsão contratual, vide ementa a seguir:
“AGRAVO INOMINADO. PLANO DE SAÚDE. HOME CARE. SUSPENSÃO. ABUSIVIDADE. DECISÃO DA RELATORA QUE NEGOU SEGUIMENTO AOS RECURSOS DE APELAÇÃO. Sem razão a recorrente, uma vez que a decisão monocrática está pautada em jurisprudência dominante deste Tribunal, no sentido de que o tratamento domiciliar, conhecido como home care, é desdobramento do atendimento hospitalar contratualmente previsto e, por tal razão, a limitação ou recusa constitui conduta abusiva e ilegal, ferindo a boa-fé objetiva e ensejando indenização por dano moral. DESPROVIMENTO DO RECURSO.”
Como visto, fato é que esse argumento não se sustenta perante qualquer Tribunal, já que desde o precedente3 inaugural desse entendimento, contratos de plano de saúde são regidos não só pelas regras específicas da Agência Reguladora, mas também de acordo com o CDC, posto que as operadoras da área prestam serviços remunerados à população, enquadrando-se no conceito de fornecedor, existindo, portanto, relação de consumo, o que é confirmado pela Súmula 608 do STJ, a saber:
“Aplica- se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão.”
Entretanto, é importante ressaltar que diferente será o caso de o contrato prever critérios razoáveis que não caracterizem a exclusão em absoluto da modalidade, o que, de todo modo, não afasta possibilidade de revisão judicial desses critérios, novamente levando em conta os parâmetros do art. 51 do CDC.
Por fim, diante de uma negativa abusiva pela operadora do plano ao tratamento domiciliar (home care), o STJ vem reconhecendo a existência de danos morais, principalmente a depender do estado clínico do paciente.
À título de exemplo, temos a seguinte decisão do referido Tribunal que, no julgamento do Recurso Especial nº 1.450.491 / RJ4, confirma tal entendimento, senão vejamos:
“AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PLANO DE SAÚDE. ATENDIMENTO HOME CARE. NEGATIVA. ABUSIVIDADE. DOENÇA COBERTA PELO PLANO. ENTENDIMENTO EM HARMONIA COM O STJ. DANO MORAL. OCORRÊNCIA. REEXAME. SÚMULA 7/STJ. VALOR DA INDENIZAÇÃO. RAZOABILIDADE NA FIXAÇÃO. SÚMULA 7/STJ. […]2. A recusa indevida pela operadora do plano de saúde em autorizar a cobertura de Home Care devidamente prescrito para o tratamento de doença coberta pelo plano, configurou danos morais indenizáveis, pois “agravou a situação de aflição psicológica e de angústia no espírito da paciente de 83 (oitenta e três) anos de idade, uma vez que, ao ter negada o tratamento requerido que se revelava essencial à melhora de seu estado de saúde, já se encontrava em condição de dor, abalo e saúde debilitada.”
Considerando a orientação dos diversos Tribunais que espelham sobremaneira as orientações do Superior Tribunal de Justiça, o consumidor, ciente dos direitos e da proteção oferecida pelo CDC e consolidada na jurisprudência, deve estar atento à prática das operadoras de planos de saúde, não se resignando diante de uma negativa que se assemelha com as situações de abusividade descritas.
Autoria: Luiza Vital de Freitas – Estagiária. 1 EDIÇÃO N. 143: PLANO DE SAÚDE – III- ITEM 3. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp?b=ACOR&O=RR&preConsultaPP=000006693%2F0 2 Recurso Especial nº 1.378.707 – RJ (2013/0099511-2). Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=45493747&num_registro=201300995112&data=20150615&tipo=51&formato=PDF 3 Informativo de Jurisprudência REsp 1.537.301-RJ. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/jurisprudencia/externo/informativo/?aplicaaplicacao=informativo&acao=pesquisar&livre=@cnot=015617 4Recurso Especial nº 1450491 / RJ. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/num_registro=201900539143&dt_publicacao=12/06/2020