PROTESTAR CHEQUE PRESCRITO GERA DANOS MORAIS?
PROTESTAR CHEQUE PRESCRITO GERA DANOS MORAIS?
Por Lauro Henrique de Carvalho Monteiro da Silva Júnior, Estagiário.
Apesar de caminhar para o desuso, o cheque ainda é uma realidade comercial para muitas empresas. Não raro, maus pagadores podem passar cheques que, na data de apresentação, serão devolvidos por falta de fundos, causando transtornos ao empreendimento. Nesses casos, uma das opções à mão do empresário é o protesto do título de crédito, no entanto, é importante saber como tal instituto deve ser corretamente utilizado para evitar prejuízos e dores de cabeça futuras.
Como bem define Fábio Ulhoa Coelho, cheque é uma ordem de pagamento à vista, sacada contra um banco e com base em provisão suficiente de fundos depositados pelo sacador (quem emitiu o cheque) em mãos do sacado (o banco) ou decorrente de contrato de abertura de crédito entre ambos.1
A Lei do Cheque (Lei nº. 7.357/85) determina que deve a cártula ser apresentada para pagamento em trinta dias, a contar da data de emissão, quando emitido no lugar onde houver de ser pago, ou em sessenta dias, quando emitido em outra localidade (art. 33).
Se não for pago nesta data, o cheque poderá ser levado a protesto e terá o portador seis meses, a contar da data de apresentação, para entrar com a ação específica de que trata o art. 47 da Lei do Cheque (art. 59).
É importante ter em vista a forma correta de se contar a passagem do tempo. Os prazos em dias, como se sabe, contam-se em dias, enquanto os prazos estipulados em meses ou anos repetem numericamente o dia inicial no final, ou, se não existir equivalente, findam no dia imediatamente seguinte.
Por exemplo, Caio emite cheque, em Cuiabá, em favor de Tício, no dia 1º de abril de 2020, para ser descontado em banco na mesma localidade. O prazo de apresentação começa a contar do dia 02 de abril (art. 132 do Código Civil2) e finda no dia 1º de maio (lembrando que neste caso contam-se os dias corridos). Na hipótese, a ação por falta de pagamento prescreverá em 02 de novembro de 2020 (no caso, 1º de novembro é um domingo, sendo o prazo prorrogado para o dia útil seguinte3).
No entanto, o que acontece se Tício, inadvertidamente, protestar o cheque após a referida data?
Em uma rápida pesquisa, podemos encontrar julgados em diferentes tribunais declarando, categoricamente, que o protesto de cheque prescrito gera dano moral “in re ipsa”. Isso significa dizer que o dano nasce, em tese, do simples ato de protestar o título inexigível.
Não obstante, tal entendimento levanta sérias questões. Se o dano moral, essencialmente, surge da violação da honra do ofendido, será que em qualquer hipótese de protesto de cheque prescrito esta honra será atingida? Afinal, a dívida não subsiste? Não continua sendo o devedor, um mau pagador?
Atento a estas sutilezas, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu o seguinte:
DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE PROTESTO C/C PEDIDO DE COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. PROTESTO DE CHEQUES PRESCRITOS. IRREGULARIDADE. HIGIDEZ DA DÍVIDA. POSSIBILIDADE DE MANEJO DE AÇÃO DE COBRANÇA FUNDADA NA RELAÇÃO CAUSAL E DE AÇÃO MONITÓRIA. ABALO DE CRÉDITO INEXISTENTE. DANO MORAL NÃO CARACTERIZADO. 1. Ação ajuizada em 27/07/2007. Recurso especial interposto em 28/07/2011 e distribuído em 22/09/2016. Julgamento: Aplicação do CPC/73. 2. O propósito recursal reside em definir se o protesto de cheques prescritos é ilegal e se enseja dano moral indenizável. (...) 8. Cuidando-se de protesto irregular de título de crédito, o reconhecimento do dano moral está atrelado à ideia do abalo do crédito causado pela publicidade do ato notarial, que, naturalmente, faz associar ao devedor a pecha de “mau pagador” perante a praça. 9. Todavia, na hipótese em que o protesto é irregular por estar prescrita a pretensão executória do credor, havendo, porém, vias alternativas para a cobrança da dívida consubstanciada no título, não há se falar em abalo de crédito, na medida em que o emitente permanece na condição de devedor, estando, de fato, impontual no pagamento. 10. Prescrita a ação executiva do cheque, assiste ao credor a faculdade de ajuizar a ação cambial por locupletamento ilícito, no prazo de 2 (dois) anos (art. 61 da Lei 7.357/85); ação de cobrança fundada na relação causal (art. 62 do mesmo diploma legal) e, ainda, ação monitória, no prazo de 5 (cinco) anos, nos termos da Súmula 503/STJ. 11. Nesse contexto, embora, no particular, tenham sido indevidos os protestos, pois extemporâneos, a dívida consubstanciada nos títulos permanecia hígida, não estando caracterizado, portanto, abalo de crédito apto a ensejar a caracterização do dano moral. 12. Recurso especial parcialmente provido, apenas para se determinar o cancelamento dos protestos.
(STJ, Terceira Turma, REsp 1677772, Rel. Min. NANCY ANDRIGHI, Julg. 14.11.2017, Dje 20.11.2017)
O fundamento é bem simples: se o devedor ainda é, afinal, um devedor, então qual dano sua honra pode sofrer do reconhecimento público dessa circunstância?
Note-se que o credor pode muito bem promover a inscrição do devedor em cadastro de maus pagadores junto às instituições de crédito, então qual dano a honra pode subsistir no protesto?
Sendo este último nada mais que uma chamada pública para que o devedor pague o que deve, não há nenhuma ofensa substancial que possa ser deduzida. É claro que o protesto de cheque prescrito, por razões formais, não pode subsistir, devendo ser cancelado por ausência dos requisitos legais. Mas não é capaz de provocar tamanho transtorno ao suposto ofendido a ponto de ensejar reparação por danos.
Destaque-se que o que pesou para o Superior Tribunal de Justiça foi a possibilidade de satisfação do débito seja por meio de ação monitória ou por ação de cobrança da relação causal (art. 62 da Lei do Cheque4).
Observe-se, ademais, que ambas as ações têm um prazo prescricional bem mais extenso (cinco anos). Deste modo, apenas o protesto de um cheque prescrito, cuja dívida material já não possa sequer ser cobrada, é que seria capaz de ensejar a reparação por danos morais in re ipsa.
O raciocínio, mais uma vez, é escorreito: se não há problema algum em conclamar um devedor a pagar o que deve, escandaloso, por outro lado, é marcar como mau pagador, na praça pública, quem já não lhe deve mais nada.