QUANDO DEVO CELEBRAR UM PACTO ANTENUPCIAL
O ordenamento jurídico brasileiro sempre prezou pela autonomia da vontade do indivíduo, consagrando direitos patrimoniais na mesma intensidade que os direitos pessoais. Nesse sentido, o regime de bens adotado pelos noivos antes de oficializar a relação familiar tem especial importância, podendo ser em uma das modalidades legalmente pré-definidas ou uma híbrida pactuada por meio de acordo antenupcial.
Embora o direito brasileiro preveja quatro tipos definidos de regimes de bens – comunhão universal de bens, separação convencional de bens, participação final nos aquestos e comunhão parcial de bens – o pacto antenupcial é um instituto jurídico que permite que os nubentes tenham total autonomia para mesclar esses institutos, podendo criar um regime de bens híbrido que se adeque às suas vontades. Caso o pacto não seja celebrado, o regime da comunhão parcial de bens incidirá.
Essa autonomia de decisão dos particulares, no entanto, pode ser limitada em situações específicas. O artigo 1.641 do Código Civil, por exemplo, impõe o regime da separação obrigatória de bens quando um dos cônjuges for maior que 70 anos; quando for menor de 18 anos; quando se tratar de casamento/união estável entre pessoas que não partilharam patrimônio em razão de divórcio/dissolução anterior ou falecimento de cônjuge/companheiro, dentre outras situações.
Embora fique claro que o intuito do legislador era proteger essas pessoas de possíveis golpes, essa previsão legal ainda é muito polêmica no mundo jurídico. Apesar de seguir em vigor, muitos defendem a inconstitucionalidade do artigo, afirmando que ele fere a dignidade da pessoa humana, da isonomia, da liberdade, da igualdade entre os cônjuges e o da autonomia da vontade, bem como coloca o indivíduo maior de setenta anos como sendo relativamente incapaz.
Para ter validade o pacto antenupcial deve se revestir de certas formalidades legais, pois sua ausência acarreta nulidade do instrumento. Em vista da natureza contratual, deve corresponder os requisitos considerados essenciais neste para formulação desse instituto: agente capaz e ter um objeto lícito, possível e determinável ou determinado, forma prescrita e não defesa em lei.
Formulado o pacto, ele deve ser lavrado perante o Cartório de Notas e remetido ao Serviço Registral de Pessoas Naturais onde se deu a habilitação para o casamento. A presença dos noivos é mais um requisito de validação do pacto, podendo, contudo, ser representados por outrem por meio de procuração pública com poderes específicos para o ato.
A seara patrimonial é vasta, dando vazão aos mais variados tipos de regime. Podem ser pactuadas cláusulas referentes às doações entre os cônjuges, cessão de direitos, destes para terceiros, compra e venda, usufruto, comodato, uso, permutas e destinação de frutos decorrentes da aquisição de bens ou daqueles já existentes. Podem ser acordadas, inclusive, cláusulas que contemplem reconhecimento de eventuais filhos e nomeação de seus tutores.
Em 2018, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), inclusive, consagrou a importância do instituto e do atendimento de seus requisitos legais no julgamento de ação de divórcio, definindo que o pacto antenupcial é solenidade indispensável para formalizar escolha de regime matrimonial diverso do legal.
Destaca-se que matérias de ordem pessoal também podem ser objeto do pacto nupcial, podendo ser acordadas indenizações em casos de infidelidade pública, obrigatoriedade de coabitação, livre escolha religiosa das partes e todas as disposições individuais que não sejam contrárias às normas legais. Caso eventualmente seja acordado cláusula ilegal, isto é, aquela que fere direta ou indiretamente a dignidade de um dos noivos, será nula.
Apesar da falta de legislação específica acerca do instituto, o pacto antenupcial é uma importante ferramenta de efetivação do direito de liberdade das pessoas. Ao gerar regimes mistos, viabiliza que questões de diversas naturezas sejam alvo de pactuação. É de suma importância frisar que o pacto antenupcial não produz efeito somente entre as partes, mas pode também incidir a terceiros.
O pacto antenupcial é comumente visto como um meio de proteção do acervo patrimonial, além de evitar prejuízos ou práticas fraudulentas em relação aos demais envolvidos nas relações. A celebração desse pacto antenupcial pode se tornar ainda mais crucial para as pessoas acionistas de grupos ou holdings familiares, por exemplo. O ingresso inesperado de terceiros em tais estruturas familiares podem desequilibrar os votos em um bloco de controle, impactando a gestão dos negócios.
A validade do pacto perante terceiros conta a partir de seu registro no órgão competente para os bens ali discutidos. As disposições contempladas podem abranger, por exemplo, as relações profissionais dos cônjuges. Caso um ou ambos exercer a função empresária, o pacto antenupcial deve ser averbado e arquivado junto ao Registro Público de Empresas Mercantis. Já se houver bem imóvel, o mesmo deve ocorrer perante o Registro de Imóveis no domicílio do casal em livro especial, garantindo a oponibilidade das disposições pactuada entre o casal perante terceiros.
Dessa forma, o pacto antenupcial se reveste de grande importância no que diz respeito aos direitos patrimoniais dos nubentes. Ele deve ser pactuado sempre que uma das partes não estiver satisfeita com os regimes matrimoniais pré-definidos em normais legais, sendo, inclusive, requisito para formalização de regime de bens diverso do legal, conforme entendimento do STJ. É importante frisar, por fim, que caso não haja a correta observância dos requisitos legais na elaboração do pacto nupcial ele não é totalmente nulo de pleno direito. Suas disposições, no entanto, só incidirão entre os nubentes, não se estendendo a eventuais terceiros.