QUANDO PLEITEAR INDENIZAÇÃO POR DANOS ESTÉTICOS?
Em uma sociedade em que os indivíduos estão constantemente evoluindo e mudando, fisicamente e intelectualmente, é imprescindível tratar do tema dos danos estéticos, aqueles que se originam de alguma alteração negativa (deformidade) no corpo humano. Tal dano é indenizável em diversas situações como em acidentes de carro, acidentes de trabalho ou em cirurgias – plásticas ou não – que acarretam prejuízos estéticos e funcionais aos lesionados.
Nesse diapasão, o dano estético é um dano extrapatrimonial autônomo, integrante da esfera da responsabilidade civil, que surgiu posteriormente aos danos materiais e morais, previstos no artigo 5º, inciso V da Constituição Federal1. Ele é independente, pois não se confunde com o dano moral ou material, possuindo características próprias e fórmulas distintas para o cálculo do quantum devido – assunto objeto de divergências doutrinárias e jurisprudenciais.
O dano estético, para Teresa Ancona Lopez, é concretizado quando uma pessoa sofre uma “transformação”. “Tais danos, em regra, ocorrem quando a pessoa sofre feridas, cicatrizes, cortes superficiais ou profundos em sua pele, aleijões, amputações, entre outras anomalias que atingem a própria dignidade humana. Esse dano, nos casos em questão, será também presumido (in re ipsa)2, como ocorre com o dano moral objetivo”. (TARTUCE, Flávio. 2021. p.502)
Antigamente, o dano estético era absorvido pelo dano moral, não sendo levado em consideração no momento de cálculo do valor devido à título de dano. Porém, com o passar do tempo e com o aumento dos casos concretos que reclamavam o direito à indenização por danos estéticos, ele passou a ser considerado um dos danos à personalidade.
Assim, o Superior Tribunal de Justiça passou a entender que o dano estético se distinguia do dano moral, sendo aquele considerado uma “alteração morfológica de formação corporal que agride a visão, causando desagrado e repulsa” e este compreendido como um “sofrimento mental – dor da mente psíquica, pertencente ao foro íntimo”3. Nesse sentido, o dano estético seria visível (existência de uma deformidade) enquanto o moral não (sofrimento íntimo). A fim de consolidar definitivamente esse entendimento o STJ editou a súmula nº 387, que dispõe: “É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral”.
QUANDO PLEITEAR DANOS ESTÉTICOS
A responsabilidade civil pelo dano estético se configura no momento em que a vítima sofre alguma transformação em sua aparência física, uma alteração negativa, seja pela ação ou pela omissão de outrem – responsável pelo dano. Esse dano, como visto anteriormente, traz prejuízos para a autoestima do indivíduo, mas também pode ter reflexos na saúde e na integridade física da pessoa afetada. Contudo, deve-se frisar que as lesões, para a configuração do dano estético, devem ser permanentes.
Para parte da doutrina, o dano em questão só ocorre quando:
a) Existe dano à integridade física da pessoa, isto é, lesão que afete negativamente a imagem da vítima.
b) A lesão promovida tiver um resultado duradouro ou permanente, sob pena de configurar-se atentado reparável à integridade física ou lesão estética passageira.
c) A ação acarretar lesões aparentes – facilmente encontradas por terceiros.
d) O dano estético ensejar dano moral, isto é, a lesão deve causar prejuízos à imagem externa da pessoa, proporcionar tristeza, constrangimento.
Assim, observados os requisitos supracitados os danos estéticos podem ser pleiteados exemplificativamente nas seguintes situações:
- Acidentes de trânsitos que deixem sequelas permanentes nos envolvidos, tendo como exemplos: perda de membros, perda de órgãos, cicatrizes visíveis irreparáveis (corte profundo no rosto).
- Acidentes de trabalho que comprometam ou afetem a harmonia física do lesionado, como a perda de um dedo, uma cicatriz ou qualquer outra mudança corporal que acarrete repulsa ou simplesmente desperte a atenção de outros.
- Erro médico que acarrete prejuízos a integridade física do paciente.
- Cirurgias plásticas mal sucedidas.
COMO CALCULAR O VALOR DA INDENIZAÇÃO?
Não há na legislação um dispositivo que cuide da fórmula correta para o cálculo dos danos estéticos, assim tal assunto é discutido pela doutrina e pela jurisprudência. Uma das possibilidades empregadas para computação do valor devido é utilizar os mesmos parâmetros do dano moral, mas essa técnica é criticada por parte da doutrina.
Nesse diapasão, temos o especialista Enéas de Oliveira Matos que entende ser imprescindível a realização de uma perícia médica para o cômputo da lesão, utilizando a extensão do dano como parâmetro. Assim, o prejuízo seria classificado em: (a) gravíssimo, (b) grave, (c) moderado, (d) leve e (e) levíssimo.
Além disso, na perícia seria apurado se: (a) há modificação do aspecto exterior do indivíduo, (b) há uma redução na eficiência psicofísica, (c) há redução da capacidade social, (d) há redução da capacidade laborativa e (e) há perda de oportunidades ou diminuição na liberdade de escolha do ofício.
Ademais, Enéas ainda traz critérios que devem ser considerados na hora de quantificar o dano, sendo eles: (a) o grau de avaliação alcançado na perícia, (b) o grau de culpa das partes, (c) a posição cultural e socioeconômica ocupada pelas partes, (d) o histórico do ofensor, (e) a punição e a exemplaridade, e (f) a independência do valor arbitrado a título de dano moral.
Outrossim, Flávio Tartuce também entende que a utilização dos mesmos critérios do dano moral não seria correta, apesar do entendimento majoritário dos tribunais nesse sentido, porque os requisitos para os dois prejuízos suportados (moral e estático) são distintos. Assim, Tartuce cita em seu trabalho os parâmetros desenvolvidos pelo professor Enéas, referência no assunto, como a melhor forma de determinar o quantum devido.
Como já dito, os tribunais tendem a adotar os critérios dos danos morais para quantificar o valor dos danos estéticos, mas tal entendimento não é unanime e absoluto. Nesse sentido destaca-se um trecho do acórdão do Superior Tribunal de Justiça, segundo o qual, “tendo em vista o histórico dos dissabores passados pela agravada, decorrentes da malsucedida intervenção cirúrgica (...) entende-se dentro dos parâmetros da razoabilidade e proporcionalidade a fixação procedida pela instância a quo, a saber, o importe de R$80.000,00 a título de danos morais e, ainda, a mesma quantia, R$60.000,00, para fins de reparação pelos danos estéticos”. (STJ, REsp 1.656.888/MS, 2.ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 04.04.2017, DJe 25.04.2017).
Assim, pode-se perceber que o Tribunal fixou montantes distintos para cada dano, ou seja, os fundamentos utilizados para calcular os valores foram diferentes. Logo, a jurisprudência vem admitindo paulatinamente que devido à natureza diversa dos danos estéticos e morais não é lógico entender que eles possuem os mesmos requisitos de cálculo.
Dessarte, o dano estético é aquele decorrente de lesões físicas (deformidades) que afetem a psique ou a funcionalidade do indivíduo e não se confunde com o dano moral (esfera da intimidade), sendo aquele um dano visível e este uma lesão intangível. Assim, como os danos não se confundem, é possível requerê-los de forma cumulativa – há inclusive autores que entendem que eles devem ser pleiteados de forma conjunta, pois no dano estético está englobado o dano ao espírito (moral).
Por fim, o seu cômputo pode ser realizado utilizando critérios do dano moral ou pode ser efetuado usando como parâmetro requisitos próprios, que possuem como base uma perícia médica, em que se afere o grau de lesão causada, a participação dos atores no dano e as consequências do prejuízo.