QUARENTENA: PODE ALGUÉM SER PRESO OU MULTADO POR VIOLAR A MEDIDA?
A COVID-19 impôs a Prefeitos e Governadores um desafio jamais imaginado e talvez poucos políticos estão à altura de tomar as melhores decisões. De um lado, temos a orientação da Organização Mundial da Saúde (OMS) de isolamento social com o intuito de não proliferação do vírus, de outro, consequências econômicas gravíssimas, que atingirão, especialmente, a grande maioria dos prestadores de serviços autônomos e também as empresas.
A situação pátria é de um Presidente favorável à reabertura do convívio social para evitar um colapso na economia, ideia essa que afronta as medidas já decretadas pelos Governadores dos estados, e também pelo próprio Ministério da Saúde.
A quarentena visa a restrição de atividades ou separação de pessoas suspeitas de contaminação de outras que não estejam doentes, ou de bagagens, contêineres, animais, meios de transporte ou mercadorias suspeitos de contaminação, de maneira a dificultar a propagação do vírus.
No entanto, uma vez decretada a medida, surgem, diversos questionamentos pela maioria das pessoas que têm a necessidade de sair de suas casas para trabalhar e realizar as atividades necessárias ao sustento familiar: É crime violar a quarentena? Alguém pode ser preso por sair de casa? É possível a aplicação de multa?
Para responder tais questões, será utilizada como ponto de análise a Portaria Interministerial nº 5, de 17 de março de 2020, editada pelo ex-ministro Luis Henrique Madetta (Ministério da Saúde) e pelo ministro Sergio Moro (Ministério da Justiça e Segurança Pública), a qual tem como base a Lei nº 13.979/2020, que dispõe sobre as medidas de enfrentamento ao combate do COVID-19.
Pela Portaria, os cidadãos brasileiros devem se sujeitar a cumprir, voluntariamente, as seguintes medidas emergenciais: (i) isolamento; (ii) quarentena; (iii) realização de exames médicos e laboratoriais, vacinação e tratamentos específicos; (iv) exumação, necropsia, cremação e manejo de cadáver; (v) restrição de entrada e saída do país por rodovias, portos e aeroportos; (vi) requisição de bens e serviços de pessoas físicas e jurídicas, com indenização posterior. O descumprimento destas determinações acarretará a responsabilização civil, administrativa e penal aos agentes infratores.
Quanto ao cerne da questão, a citada Portaria prevê, em caso de descumprimento de quarentena, a possibilidade de prisão e aplicação de multa aos agentes infratores, com fundamento nos artigos 268 e 330 do Código Penal. O primeiro minuta a inteligência de que é crime contra a saúde pública “infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa”, com pena de detenção, de um mês a um ano, e multa. Já o 330 estabelece que é crime “desobedecer a ordem legal de funcionário público”, com pena de detenção de quinze dias a seis meses e multa.
Para que seja possível a aplicação das punições previstas nos mencionados dos artigos, o agente deve ter ciência das determinações impostas pelo poder público. Nesse ponto, com o intuito de melhorar o entendimento das possíveis penalidades em caso de
descumprimento da quarentena, merece destaque um breve estudo do art. 268 do Código Penal.
Primeiramente, para que seja aplicada a penalidade referente ao artigo em discussão, é necessário que o agente tenha a intenção (dolo) de praticar os atos descritos no dispositivo penal. É importante que o infrator tenha conhecimento das normas restritivas determinadas pelo poder público, uma vez que, por não haver modalidade culposa neste delito, a conduta do agente poderá ser considerada como atípica.
Trata-se de norma penal em branco o tipo penal em comento, já que depende de um complemento legislativo diferente da fonte legislativa que editou a proibição penal. Esta norma regulamentadora pode ser exarada pela União, Estado, Distrito Federal ou Município, podendo decorrer de lei ou de ato administrativo, como decreto, regulamento ou portaria.
São exemplos de atos que podem configurar o crime do artigo. 268 do Código Penal: (i) o agente isolado por determinação que vier fugir; (ii) o agente isolado que, após receber determinação para realizar compulsoriamente exame médico, deixar de realizá-lo.
O complemento pode ser as normas e atos administrativos existentes sobre a pandemia, editados pelos governos federal, estadual e municipal. Como exemplo, o Governador do Estado de Mato Grosso, Mauro Mendes, por meio do Decreto nº 437 de 03/04/2020, instituiu o programa “Eu cuido de você e você cuida de mim”, que estimula a solidariedade entre as pessoas por meio de incentivo ao uso obrigatório de máscaras, a partir de 13.04.2020, mesmo que artesanais.
Até o presente momento, não há nenhuma penalidade vigente no Estado de Mato Grosso em relação ao descumprimento dessa determinação, no entanto, nas próximas semanas, caso a população Mato-grossense não obedeça a medida decretada pelo Governador, é bem provável que sanções começarão a ser aplicadas.
Infelizmente, algumas autoridades enfrentam a atual pandemia com descaso, permitindo a abertura de atividades comerciais que possibilitam aglomeração, o que acaba por prejudicar as medidas de prevenção ao COVID-19.
Conclui-se, então, que o descumprimento da quarentena, que visa o combate da pandemia provocada pela doença da COVID-19, pode resultar na aplicação das sanções penais do artigo em estudo, e nas penalidades das normas e atos administrativos complementares dos entes federativos, como exemplo: multa administrativa por desobediência; detenção; entre outros.
Quanto ao argumento de que o isolamento social pode causar mais mortes do que a reabertura do comércio, fica a reflexão do filósofo e sociólogo alemão Jürgen Habermas, que, em entrevista ao jornal francês Le Monde, fora questionado sobre quais os desafios éticos que enfrentamos nesta crise, e ofertou a brilhante resposta: “Acima de tudo, vejo duas situações que provavelmente afetarão a intangibilidade da dignidade humana[…] / A primeira situação refere-se ao que é chamado de “triagem”; a segunda na escolha do momento apropriado para suspensão do confinamento. O perigo representando pela saturação das unidades de terapia intensiva em nossos hospitais – um perigo temido por nossos países e que já se tornou uma realidade na Itália – evoca cenários de medicina de catástrofes, que só ocorrem durante guerras. […] / Com a decisão relativa
ao momento apropriado para pôr fim ao confinamento, a proteção da vida, que se impõe não apenas no plano moral, mas também no plano jurídico, podemos nos deparar com, digamos, as lógicas utilitaristas de cálculo. Quando é necessário arbitrar entre, de um lado, os danos econômicos ou sociais e, de outro lado, as mortes evitáveis, os homens e as mulheres políticos devem resistir à “tentação utilitária”: devemos estar prontos para arriscar uma “saturação” do sistema de saúde e, portanto, maiores taxas de mortalidade, a fim de impulsionar a economia e, assim, mitigar o desastre social de uma crise econômica? Os direitos fundamentais proíbem que as instituições estatais tomem qualquer decisão que se acomode com a morte de pessoas físicas.”(g.n)
Leonardo Miranda Minervini de Figueiredo
Estagiário do escritório de advocacia Zoroastro C. Teixeira Advogados Associados
Acadêmico de Direito