USUCAPIÃO DE APARTAMENTOS: POSSIBILIDADE RECONHECIDA PELO STF
A usucapião é um instituto previsto pelo Código Civil em seus artigos 1.238 a 1.244. Significa “tomar pelo uso” e, em termos simples, define-se como a aquisição de um bem em razão de sua posse mansa, pacífica e ininterrupta, observando os prazos definidos pela legislação civil. Apesar de poder ser aplicada a bens móveis e imóveis, nessa oportunidade falaremos exclusivamente da usucapião de bem imóvel, mais especificamente daquela definida como Urbana Individual.
O artigo 183 da Constituição Federal do Código Civil, definindo essa forma de Usucapião, dispõe que “aquele que possuir, como sua, área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.”.
No mesmo sentido versam os artigos 1.240 do Código Civil e 9º da Lei 10.257/01.
Contudo, como se vê no texto legal aqui colacionado, o constituinte não especificou o tipo de imóvel que poderia ser usucapido, inexistindo restrições legais que indiquem se apenas estariam abarcados pela lei os bens individuais (como casas, por exemplo) ou se também seriam passíveis de tal aquisição os bens situados em condomínios edilícios, caso dos apartamentos.
O mesmo ocorreu no texto infraconstitucional. Assim, o operador do direito se viu desamparado no momento de decidir a quais imóveis a lei poderia ser aplicada e, consequentemente, o direito de propriedade constituído.
Esse foi o cerne da lide contida nos autos do processo nº 2462321-37.2005.8.21.0001, originário do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul que, posteriormente, alcançou a jurisdição do Supremo Tribunal Federal.
No caso, a Autora pretendia usucapir unidade autônoma de condomínio edilício. Contudo, os Juízos de primeira e segunda instância entenderam que, por se tratar de apartamento, o pedido não estaria amparado pelo artigo 183 da Constituição Federal, e, portanto, deveria o processo ser extinto sem resolução de mérito, ante a impossibilidade jurídica do pedido.
Irresignada, a Autora interpôs o Recurso Extraordinário nº 305416, que norteou a questão controvertida, julgado recentemente, em 31 de agosto de 2020.
De acordo com o voto do Relator do Supremo Tribunal Federal, Ministro Marco Aurélio, “o acórdão do Tribunal de Justiça revela que o prédio foi construído em terreno de 16m por 39m, desaguando em um total de 624m². A propriedade, a unidade condominial, no entanto, não está, hoje, vinculada a essa metragem, mas à fração de terreno que corresponde a ela, conforme escritura levada ao registro de imóveis. (…)”.
Ao qualificar o que seria considerado como o bem em si, discorreu que “passam a unidade e a fração a formar um todo que se mostra merecedor da nomenclatura “propriedade”, sendo, portanto, passível de vir a ocorrer a transferência usucapião.”.
Desse modo, o STF reconheceu que a legislação não faz distinção quanto à espécie de imóvel a ser usucapido, e, portanto, abarca casas e apartamentos, já que a restrição criada pela norma diz respeito apenas à área do bem objeto do requerimento e ao tempo de posse, que deve se limitar a 250 m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) e tem prazo mínimo de 5 (cinco) anos.
Importante frisar que, como destacado no voto do Relator, a área a ser considerada para preenchimento do requisito espacial para Usucapião não deve levar em conta a totalidade do condomínio edilício, mas sim aquela correspondente à unidade individual e fração ideal do apartamento que se deseja usucapir.
Por fim, o Recurso foi julgado parcialmente procedente e afastou o óbice ao julgamento do mérito pelo Juízo de origem, admitindo-se a hipótese de que apartamentos são bens que podem ser objeto de aquisição através de usucapião.
A decisão é um importante precedente para orientar o entendimento dos Magistrados em todo o território nacional, já que a lei dá espaço a ampla interpretação, sendo assim potencial causadora de decisões divergentes, o que geraria a tão indesejada insegurança jurídica.