A POSSIBILIDADE DA CONSTITUIÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL E CASAMENTO POR CASAIS HOMOAFETIVOS
A união estável e o casamento configuram importantes institutos jurídicos estudados no âmbito do Direito de Família. Tais institutos, presentes há anos no ordenamento jurídico brasileiro, sofreram importantes alterações nos últimos tempos, quando a controvérsia envolvendo a possibilidade da união estável e do casamento entre pessoas do mesmo sexo chegou ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça.
Essa temática sempre gerou controvérsias tanto doutrinárias quanto jurisprudenciais, passando a haver um entendimento mais uniforme apenas após a análise da matéria pelos tribunais superiores. Nesse sentido, conforme bem detalhado por Flávio Tartuce1, uma primeira corrente defendia que a união de pessoas do mesmo sexo não constituía uma entidade familiar, não podendo, portanto, evoluir para uma situação de união estável ou de casamento entre os indivíduos da relação.
Tal posicionamento possuía como base a interpretação literal do art. 226, § 3º da Constituição Federal e do art. 1.723 do Código Civil, já que ambos os dispositivos falam expressamente em “homem” e “mulher”. Portanto, a união estável seria permitida apenas para indivíduos de sexos distintos. Tal interpretação enxergava a união homoafetiva por um viés do direito das obrigações, por uma lógica patrimonial, deixando de conferir aos casais homoafetivos direitos resguardados aos casais de pessoas com sexos distintos.
Nesse contexto, os casais compostos por pessoas do mesmo sexo não possuíam diversos direitos que eram resguardados aos casais compostos por pessoas de sexos distintos, a exemplo da possibilidade para adoção como casal. Ademais, em se tratando de benefícios de saúde, por exemplo, o parceiro não poderia figurar como dependente de modo a receber o mencionado benefício; e não haveria, ainda, possibilidade de pleitear alimentos após o fim do relacionamento, visto que não haveria qualquer vínculo familiar.
Por outro lado, uma segunda corrente, consolidada atualmente como majoritária, tanto na doutrina, quanto na jurisprudência, enxerga a união estável de pessoas do mesmo sexo como uma entidade familiar, adotando o entendimento de que o art. 226, § 3º da CF/88, juntamente com o art. 1.723 do CC/02, ao tratarem da união
estável entre o homem e a mulher como uma das modalidades de família, se utilizam de um rol meramente exemplificativo, e não taxativo.
Esse posicionamento ganhou força quando o STF, ao julgar a ADPF nº 132/RJ e a ADI nº 4.277/DF, interpretou o art. 1.723 do CC/02 à luz da Constituição, inibindo qualquer interpretação que inviabilizasse o reconhecimento da união de pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, entendida, nesse contexto, como um sinônimo de família.
Posteriormente, o STJ, durante o julgamento do REsp. 1183378, de relatoria do Ministro Luiz Felipe Salomão, seguiu o raciocínio do Supremo e reconheceu a possibilidade de habilitação para casamento de pessoas do mesmo sexo. Em seu voto, o ministro relator entendeu que, com o advento da Constituição Federal de 1988, o conceito de família foi ampliado, de modo a reconhecer diversas novas faces que não eram consideradas anteriormente. Além disso, o conceito de casamento, por exemplo, se tornou, em suas palavras, mais “plural”, acompanhando as mudanças sofridas pelo conceito de família.
Por fim, esclareceu Luiz Felipe Salomão que, se o casamento civil significar a forma pela qual o Estado melhor protege a família, então a habilitação para essa via não deve ser negada a nenhum dos indivíduos pertencentes aos diversos novos arranjos familiares, independentemente de suas orientações sexuais.
Cabe, ainda, mencionar o surgimento da Resolução 175/2013 do Conselho Nacional de Justiça, que determinou aos cartórios a obrigatoriedade da realização de casamento entre casais do mesmo sexo. Nesse aspecto, conforme informado pelo próprio CNJ2, até o surgimento dessa resolução, muitos estados não reconheciam sequer a existência de uniões estáveis homoafetivas, mesmo após o Supremo ter confirmado tal possibilidade.
Assim, diante da inércia do poder Legislativo em criar uma norma que reconhecesse a validade da união estável e do casamento civil homoafetivo, os mencionados julgados provenientes dos Tribunais Superiores, em conjunto com a Resolução 175/2013, formulada pelo CNJ, garantem, atualmente, o direito dos casais homoafetivos de constituírem família por meio desses institutos.
1 TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direito de Família – V.5. 14.ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2019. v. 5, p. 570.
2 Disponível em: https://www.cnj.jus.br/lei-sobre-casamento-entre-pessoas-do-mesmo-sexo-completa-4-
anos/