CONSIDERAÇÕES SOBRE O DIREITO AO NOME E A POSSIBILIDADE DE ALTERÁ-LO.
O direito ao nome compõe os direitos de personalidade, sendo, portanto, intransmissível e irrenunciável1 . Por essa razão, existem vários dispositivos legais que buscam proteger esse bem jurídico. Como exemplo, destaca-se o art. 185 do Código Penal, que tipifica o crime de usurpação do nome. No mesmo sentido, os arts. 17 e 18 do Código Civil proíbem a utilização do nome da pessoa por outrem em publicações ou representações que a exponham ao desprezo público, ainda quando não haja intenção difamatória, bem como a utilização de nome alheio em propaganda comercial sem autorização.
Assim, conclui-se que o nome goza de ampla proteção do ordenamento jurídico, por estar intrínseco à existência do homem na sociedade, sendo um meio de identificação do indivíduo perante terceiros. Nesse sentido, destaca- se que o nome não se trata de uma faculdade, de uma escolha: ao mesmo tempo que o nome é um direito e goza de proteção, também é um dever, por ser obrigatório, conforme se extrai do art. 50 da Lei de Registros Públicos, que diz que todo indivíduo nascido em território nacional deve ter seu nome registrado perante o Cartório de Registro Civil, em caráter obrigatório.
Por óbvio, o registro do nome do nascituro fica a cargo de terceiros, de modo que a lei estabelece um rol taxativo dos autorizados a fazê-lo, sendo eles: primeiramente o pai ou a mãe do nascituro, no prazo máximo de 15 dias se tiver cartório no local e de até 3 meses, caso o local do nascimento seja mais de 30 km distante de um cartório; no caso de impedimento do pai ou da mãe, o outro será obrigado a realizar o registro, cujo prazo será estendido para 45 dias; em segundo lugar, em caso de impedimento de ambos, a obrigação será do parente mais próximo que seja maior; em terceiro, caso estejam impedidos os anteriores, a responsabilidade será dos administradores de hospitais ou médicos, ou parteiras que tenham assistido o parto; em quarto, a pessoa idônea proprietária da casa em que ocorrer o parto, se fora da residência da mãe e; e por último, a obrigação de fazer a declaração será da pessoa encarregada da guarda do menor.
Por ser indisponível, uma vez registrado, em regra, o nome não pode ser alterado por seu titular, conforme prevê o art. 59 da referida lei. Essa impossibilidade de dispor do próprio nome parte do princípio da imutabilidade, que visa proteger, além da individualidade do nome, as relações econômicas de terceiros e garantir a segurança jurídica.
Entretanto, tal princípio não é absoluto, tendo a lei excepcionado algumas possibilidades de alteração do nome, bem como os Tribunais Superiores, em uma interpretação histórico-evolutiva da norma jurídica.
Como exemplo, cita- se o parágrafo único do art. 58 da Lei de Registros Públicos, que permite a alteração do nome para retificação, em razão de erro gráfico evidente. Ainda, conforme art. 56 do mesmo diploma, o titular do nome, após atingida a maioridade legal e dentro do prazo de um ano, poderá promover a alteração do seu prenome extrajudicialmente, desde que não prejudique seu sobrenome e embasado em justo motivo. Caso o queira fazer após o período de um ano, deverá recorrer a via judicial.
Nos casos de nomes vergonhosos ou vexatórios, as alterações podem ser feitas a qualquer tempo, nos termos do art. 55, parágrafo único, desde que o nome exponha o titular ao ridículo.
Dentre as demais possibilidades, uma das decisões mais importantes do Supremo Tribunal Federal a respeito do tema se deu em 2018, quando ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 42752 , a Corte Constitucional reconheceu o direito dos transgêneros e transexuais, independentemente de cirurgia de redesignação sexual, da realização de tratamentos hormonais ou da apresentação de documentos médicos ou psicológicos, o direito à substituição do prenome e do gênero diretamente nos cartórios de registro civil de pessoas naturais mediante a mera autodeclaração.
Atualmente, em recente decisão ainda sobre as possibilidades de alteração de nome, o Superior Tribunal de Justiça, em 04/05/2021, julgou o Recurso Especial nº 1905614/SP3 , autorizando nos termos do art. 57 da Lei de Registros Públicos, o pedido da genitora de retificação do prenome atribuído a sua filha pelo pai, contrariamente ao que havia sido acordado.
Nesse sentido, a Ministra Relatora do recurso, Nancy Andrighi, ponderou em seu voto que sendo evidente o consenso firmado entre os genitores acerca do nome (prenome e sobrenome) que seria dado à filha, o pai, ao alterar unilateralmente o prenome no momento do registro, agiu com abuso do poder familiar, contrariando a bilateralidade das relações familiares (art. 1.631, caput, do CC/20024 ), a lealdade e a boa-fé objetiva.
Desse modo, não importaria o motivo que o levou a fazê-lo, o que somente serviria para qualificar sua conduta como mais ou menos reprovável, pois o fato é que a alteração unilateral, quando evidente um consenso prévio, configura abuso de direito, o que não pode prosperar perante o ordenamento jurídico brasileiro.
Diante do exposto, conclui-se que o nome diz respeito à própria identidade pessoal do indivíduo, não apenas em relação a si, como também em ambiente familiar e perante a sociedade, de modo que as possibilidades de modificação são excepcionais e devem observar as hipóteses restritivas da norma.
Contudo, justamente por se tratar de um bem intrínseco ao ser humano, elemento estruturante da personalidade de um indivíduo, a interpretação da norma não pode servir para discriminar ou permitir o abuso de direito de terceiros, devendo haver sempre uma ponderação entre o interesse da sociedade, do Estado e do indivíduo, preservando sua dignidade, o que é evidente no movimento de flexibilização dos Tribunais Superiores sobre o tema.
1 Código Civil, 2002. Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.
2 Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI4.275VotoEF.pdf
3 Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=202001341201&dt_publicacao=06 /05/2021
4 Art. 1.631. Durante o casamento e a união estável, compete o poder familiar aos pais; na falta ou impedimento de um deles, o outro o exercerá com exclusividade. Parágrafo único. Divergindo os pais quanto ao exercício do poder familiar, é assegurado a qualquer deles recorrer ao juiz para solução do desacordo.