HOMESCHOOLING: POR QUE O ENSINO DOMICILIAR É PROIBIDO NO BRASIL
O ensino domiciliar, também conhecido como homeschooling, é o modelo de educação feito em casa, fora do ambiente escolar, no qual os responsáveis legais pela criança ou pelo adolescente optam por ensiná-los por conta própria, ou através da contratação de professores particulares.
Trata-se de um tema de grande repercussão social, tendo em vista o crescente interesse dos pais em alternativas ao ensino tradicional praticado pelas instituições escolares, conforme já permitido em outros países como os Estados Unidos. Recentemente uma adolescente de 17 anos, adepta do homeschooling, foi impedida de ingressar no curso superior de engenharia na Escola Politécnica da USP, apesar de ter sido aprovada no vestibular, em razão de não ter completado o ensino médico em escola convencional e não possuir diploma1 .
A jovem chegou a impetrar mandado de segurança perante a Vara da Infância e Juventude de Sorocaba (SP), contudo, seu pedido fora rejeitado pelo juízo, sob o argumento de que o ensino domiciliar não está incluído entre os sistemas contemplados pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação, seguindo o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário 888.815, que fixou a tese de que a inexistência de previsão legal para o homeschooling, impede a sua adesão no Brasil2 .
Nesse sentido, para entender o porquê da proibição do ensino domiciliar no Brasil primeiramente é importante perceber que a educação é um direito fundamental, consolidado no artigo 205 da Constituição Federal3 como sendo um direito de todos e dever do Estado e da família, que visa o pleno desenvolvimento do indivíduo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. A partir disso é possível aferir que a educação exerce dupla função: primeiro um viés ligado à cidadania, vez que qualifica a comunidade como um todo; a segunda função é em relação ao próprio indivíduo, como verdadeiro titular desse direito subjetivo4 .
No julgamento do RE 888.815, o STF entendeu, com base nos artigos 205 e 227 da Constituição Federal5 , que há uma solidariedade entre a família e o Estado no dever de assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem o direito à educação, fixando a tese de que a Carta Magna não veda de maneira absoluta o ensino domiciliar, mas proíbe as espécies que não respeitem o dever de solidariedade entre a família e o Estado, razão pela qual se considerou inconstitucional o unschooling radical (desescolarização radical), unschooling moderado (desescolarização moderada) e o homeschooling puro, pois negam a possibilidade de participação estatal solidária, inclusive na fixação de um núcleo básico de supervisão e avaliações.
A título de curiosidade cumpre apontar que unschooling radical parte da premissa de que apenas aos pais é consagrado o direito de educar o filho, afastando a atuação estatal desde a fixação de um currículo básico ou a fiscalização do ensino. Já no unschooling moderado não há vedação do oferecimento da educação escolar pelo Poder Público, como no radical, mas entende-se que a institucionalização deve ser evitada e que os pais teriam plena liberdade na escolha do conteúdo e do método de ensino sem qualquer interferência do Estado. Por fim, o homeschooling puro caracteriza-se por entender que a educação é uma tarefa primordial da família e apenas subsidiariamente do Estado, razão pela qual a institucionalização do ensino só se daria quando os pais se considerassem incapazes de educar seus filhos. Todas essas espécies de ensino domiciliar restariam vedadas pela Constituição a partir do entendimento consolidado pelo Supremo.
Dentro dessa linha, entendeu-se que a Constituição Federal admite um homeschooling utilitarista, uma vez que o dever de educar não é exclusivo do Poder Público, desde que se siga os mesmos conteúdos básicos do ensino escolar público e privado, bem como que se permita a supervisão, a fiscalização e a avaliação por parte do Poder Público, concretizando, assim, o dever solidário da família e do Estado.
Todavia, não há no nosso ordenamento jurídico previsão legal para o exercício do ensino domiciliar que determine os mecanismos de supervisão, de fiscalização e de avaliação deste modelo educacional, o que colocaria em risco os objetivos e princípios previstos na Constituição Federal no que diz respeito ao direito à educação das crianças e adolescentes, razão pela qual, o STF entendeu que, atualmente, é impossível a adesão ao homeschooling. Desta forma, podemos sintetizar que o Supremo concluiu na fixação do tema 8226 que (i) não há vedação expressa, nem implícita, na Constituição quanto à criação do ensino domiciliar; (ii) considerou-se que o ensino domiciliar não é, todavia, umdireito público subjetivo do aluno ou de sua família, uma vez que inexiste sua previsão constitucional expressa, tampouco é autoaplicável por ausência de meio de fiscalizar e avaliar, o que implicaria em uma maior evasão escolar; (iii) o homeschooling só poderá ser admitido no Brasil se houver a criação e a sua regulamentação pelo Congresso Nacional por meio de lei federal, seguindo o dever de solidariedade entre família e Estado.
Portanto, verifica-se que apesar do homeschooling ser um tema delicado, que precisa de uma análise cautelosa por versar sobre um direito imprescindível na formação dos jovens, o entendimento adotado pelo Supremo não o proíbe, desde que haja a criação e regulamentação por lei federal, respeitando-se a solidariedade entre o Estado e a família no dever de educar.
1 Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-abr-23/aluna-adepta-homeschooling-impedida-cursarfaculdade
2 Processo 1005110-05.2020.8.26.0602
3 Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
4 RECURSO EXTRAORDINÁRIO 888.815 RIO GRANDE DO SUL, Relator MIN. ROBERTO BARROSO, 12/09/2018
5 Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão 6 Tema 822: “ Não existe direito público subjetivo do aluno ou de sua família ao ensino domiciliar, inexistente na legislação brasileira.”