O DIREITO REAL DE HABITAÇÃO E A IMPOSSIBILIDADE DE EXIGIR REMUNERAÇÃO DO CÔNJUGE SUPÉRSTITE
O Código Civil prevê os regimes de bens a serem adotados pelos nubentes quando do matrimônio, determinando suas características e efeitos, cada qual com suas especificidades.
Ocorre que, independente do regime adotado pelo casal, existe o instituto do direito real de habitação. Este, encontra respaldo legal no artigo 1.831 do Código Civil, que prevê: “Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar.”
Importante frisar que o direito real é aquele que diz respeito a bens, tanto móveis quanto imóveis. É ele que trata do direito de posse e de propriedade, sendo, portanto, inegável sua relevância.
O supramencionado artigo trata do direito real de habitação, que tem como objetivo a proteção do direito de moradia e da dignidade da pessoa humana ao cônjuge supérstite. Apesar de possuir parte na herança deixada pelo falecido – a depender do regime de bens adotado -, tal fato não exclui a possibilidade de usufruir do direito em comento.
O direito real de habitação consiste na possibilidade de que o viúvo ou viúva permaneça residindo no imóvel em que o casal mantinha como residência, desde que este seja o único bem deste caráter deixado pelo morto. É vitalício, personalíssimo e gratuito, ou seja, perdura até o cônjuge sobrevivente também falecer, não pode ser transferido para nenhuma outra pessoa e não exige contraprestação para seu exercício.
Essencial pontuar que o direito real de moradia não enseja registro no Cartório de Registro de Imóveis, eis que decorre diretamente de lei, não sendo necessário o registro para que adquira efeito erga omnes ou inter partes.
Ademais, é importantíssimo relembrar que a Constituição Federal equipara a união estável e o casamento quanto a entidades familiares. Logo, apesar de não constar expressamente no Código Civil, é evidente que a regra aqui discutida também se aplica à união estável, já que se rechaça a diferenciação de tratamento entre cônjuge e companheiro. Inclusive, este é o entendimento fixado no Enunciado 117 da I Jornada de Direito Civil, que discorre: “O direito real de habitação deve ser estendido ao companheiro, seja por não ter sido revogada a previsão da Lei 9.278, seja em razão da interpretação analógica do artigo 1.831, informado pelo artigo 6º, caput, da Constituição de 88.”.
Logicamente, entende-se que, por estar exercendo um direito próprio cujo objetivo é a proteção de direitos fundamentais, o cônjuge ou companheiro sobrevivente não pode ser compelido a pagar qualquer quantia remuneratória - em termos simples, aluguéis - para continuar morando no imóvel. Ora, ainda que existam outros herdeiros, há que ser soberano o direito real de habitação.
Tal interpretação foi aplicada pelo Superior Tribunal de Justiça ao julgar o Recurso Especial 1.846.167 em 09 de fevereiro de 2021. Assevera a Corte que “O direito real de habitação tem caráter gratuito, razão pela qual os herdeiros não podem exigir remuneração do(a) companheiro(a) ou cônjuge sobrevivente pelo fato de estar usando o imóvel. Seria um contrassenso dizer que a pessoa tem direito de permanecer no imóvel em que residia antes do falecimento do seu companheiro ou cônjuge, e, ao mesmo tempo, exigir dela o pagamento de uma contrapartida (uma espécie de “aluguel”) pelo uso exclusivo do bem.”, reiterando os argumentos apresentados.
Conclui-se, portanto, que o direito real de habitação é de extrema importância na concretização dos direitos fundamentais trazidos pela Constituição Federal, razão pela qual não pode ser negligenciado ou ter seu entendimento adulterado a fim de alcançar vantagens ilegais e imorais. Por isso, tendo em vista que o direito sucessório pode trazer muitas dúvidas, é essencial contar-se com advogado que conheça bem o assunto.