PROGRAMA EMERGENCIAL DE MANUTENÇÃO DO EMPREGO E DA RENDA
Em recente entrevista, o ministro da Economia, Paulo Guedes, alertou que o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil poderá cair 4% neste ano, caso a paralisação gerada pelo coronavírus se estenda para além de julho.
Segundo dados levantados pela credenciadora Cielo, o faturamento do varejo caiu 24,7% no acumulado de março até a primeira semana de abril. O estudo realizado verificou que o pior impacto aconteceu entre a quarta semana de março (queda de 52,3%) e a primeira semana de abril (recuo de 43,9%).
Esse é o pano de fundo da Medida Provisória 936/2020, publicada em 01/04/2020, que instituiu o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda para enfrentamento do estado de calamidade pública decorrente do coronavírus (covid-19).
O aludido programa terá aplicação enquanto durar o estado de calamidade pública. Seu objetivo é preservar o emprego e a renda, garantir a continuidade das atividades laborais e empresariais e reduzir o impacto social decorrente das consequências do estado de calamidade pública e de emergência na saúde pública.
Ao analisar o ato do Poder Executivo dotado de natureza legislativa, verifica-se a possibilidade da redução proporcional de jornada de trabalho e de salários, assim como da suspensão temporária do contrato de trabalho.
Antes de abordar tais medidas, porém, é preciso salientar que essas serão implementadas por meio de acordo individual ou de negociação coletiva entre os sujeitos da relação trabalhista. Ademais, exige-se, em regra, que o empregado receba salário igual ou inferior a R$ 3.135,00, ou seja portador de diploma de nível superior e que perceba salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.
Dito isso, passa-se agora a tratar de cada uma delas.
A primeira medida consiste na possibilidade de redução de jornada ou salário. O empregador poderá, repise-se: durante o estado de calamidade pública, ajustar com seus empregados a redução da jornada de trabalho e, consequentemente, a redução proporcional dos salários (art. 7º, caput). Essa redução, no entanto, poderá ser feita por um prazo máximo de 90 dias.
Para que essa redução seja feita, o valor do salário-hora de trabalho deve ser preservado; deve ser feito um acordo individual escrito entre empregador e empregado, que será encaminhado ao empregado com antecedência de, no mínimo, 2 (dois) dias corridos; e a redução da jornada de trabalho e de salário só pode ser feita em percentuais determinados: 25% ou 50% ou 70%.
Há, ainda, regra quanto ao restabelecimento das condições anteriores: a jornada de trabalho e o salário pago anteriormente serão restabelecidos no prazo de 2 dias corridos, contados: I – da cessação do estado de calamidade pública; II – da data estabelecida no acordo individual como termo de encerramento do período e redução pactuado; ou III – da data de comunicação do empregador que informe ao empregado sobre a sua decisão de antecipar o fim do período de redução pactuado.
A segunda medida instituída é a suspensão temporária do contrato de trabalho, a qual terá prazo máximo de 60 dias, que poderá ser fracionado em até dois períodos de 30 dias (art. 8º, caput).
Para tanto, é necessário acordo individual escrito entre empregador e empregado, o qual será encaminhado a esse último com antecedência de 2 dias corridos, no mínimo (art. 8º, § 1º).
Durante a suspensão, o trabalhador fará jus a todos os benefícios concedidos pelo empregador, assim como ficará autorizado a recolher para o Regime Geral de Previdência Social na qualidade de segurado facultativo (art. 8º, § 2º).
O contrato de trabalho será restabelecido no prazo de dois dias corridos, contados: I – da cessação do estado de calamidade pública; II – da data estabelecida no acordo individual como termo de encerramento do período e suspensão pactuado; ou III – da data de comunicação do empregador que informe ao empregado sobre a sua decisão de antecipar o fim do período de suspensão pactuado (art. 8º, § 3º).
Importante observação deve ser feita: a suspensão do contrato é incompatível com o teletrabalho, trabalho remoto ou trabalho à distância.
Se durante o período de suspensão temporária do contrato de trabalho o empregado mantiver as atividades de trabalho, ainda que parcialmente, por meio de hipóteses acima destacadas, ficará descaracterizada a suspensão temporária do contrato de trabalho. Ademais, o empregador estará sujeito ao pagamento imediato da remuneração e dos encargos sociais referentes a todo o período, às penalidades previstas na legislação em vigor e às sanções previstas em convenção ou em acordo coletivo (art. 8º, § 4º).
Feitas essas considerações acerca das medidas instituídas pelo Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, imprescindível observar que já surgiram controvérsias sobre a constitucionalidade da MP 936/2020.
A exemplo, tem-se a Ação Direta de Inconstitucionalidade, com pedido de medida cautelar, proposta pelo Partido Rede Sustentabilidade, que questiona, em síntese, os dispositivos da MP 936/2020 que autorizam a suspensão de contrato de trabalho e redução de jornada com respectiva redução salarial sem negociação coletiva.
Isso porque, como se sabe, a Constituição Federal prevê a irredutibilidade do salário, salvo se eventual redução for feita por convenção ou acordo coletivo (art. 7º, VI),
Em cognição sumária, o ministro Ricardo Lewandowski proferiu decisão liminar possibilitando a instauração das negociações coletivas pelas entidades classistas. O magistrado ainda assentou que os acordos individuais deverão ser comunicados pelos empregadores ao respectivo sindicato laboral, no prazo de até dez dias corridos, contados da data da celebração, para que esse, querendo, deflagre a negociação coletiva, importando sua inércia em anuência com o pactuado pelas partes.
Ocorre, porém, que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por 7 votos a 3, entendeu que a redução de salário não precisa passar por crivo de sindicatos, motivo pelo qual a liminar do ministro Ricardo Lewandowski acabou sendo cassada.
Segundo entendimento do ministro Alexandre de Moraes, o qual proferiu voto divergente que acabou prevalecendo, condicionar acordos já celebrados ao consentimento posterior dos sindicatos afeta a segurança jurídica e coloca em risco valores constitucionais como, por exemplo, a proteção social ao emprego e proporcionalidade, além de reduzir a eficácia da medida provisória.
Entendeu o ministro, também, que a norma estabelecida pelo inciso VI do art. 7º da Constituição Federal funciona em situação de normalidade e existência de conflito entre as partes. Ademais, na anormalidade da pandemia, não há conflito, inclusive porque o empregado pode não aderir ao acordo individual e, assim, assumir o risco da demissão.
A encerrar, cabe registrar ser válida toda tentativa de proteger e recuperar os setores fortemente atingidos pelos prejuízos causados pelo coronavírus, desde que, no entanto, não implique no comprometimento dos direitos e garantias assegurados aos envolvidos na relação trabalhista.
Jean Carlos Palma de Arruda