PROPAGANDA ENGANOSA E A POSSIBILIDADE DE INDENIZAÇÃO
Apesar da proteção ao consumidor preconizada pelo ordenamento jurídico brasileiro, não é difícil encontrar situações em que fornecedores mal intencionados utilizam estratégias ilícitas para atrair clientes.
Dentre tais condutas encontra-se a propaganda enganosa.
Define o artigo 37, §1º, do Código de Defesa do Consumidor que “é enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.”.
Em termos práticos, a propaganda enganosa se constitui quando se anuncia publicamente a existência de um produto ou serviço que não existe ou cujas características não correspondem à realidade fática do que se propõe a negociar, induzindo o consumidor a erro.
Essa vil prática, quando comprovada, pode ter consequências na esfera penal e na esfera civil.
O artigo 67 do Código de Defesa do Consumidor estabelece a pena de detenção de três meses a um ano e multa quando verificada a situação em comento.
Na seara civil, o autor do fato pode ser condenado ao pagamento de compensação por danos morais sofridos pelo consumidor, bem como à restituição de valores a título de danos morais.
Como se sabe, tais danos devem ser devidamente comprovados, não sendo aceitas meras alegações, sem que se prove no processo judicial sua verdadeira ocorrência e de que forma o consumidor foi afetado em razão da conduta ilícita, por força do artigo 927 do Código Civil1. Em que pese o dano moral se tratar de dano in re ipsa, ou seja, independente de prova, as alegações devem ser verossímeis.
Importante destacar que não se pode confundir propaganda enganosa com a não concretização dos anseios pessoais do consumidor quanto ao produto ou serviço adquirido.
Na primeira, veicula-se a informação de que há oferta de um produto ou serviço com determinadas características, sendo apresentada realidade diversa quando se concretiza o contrato. É imperiosa nessa situação a caracterização da indução do consumidor a erro.
Na segunda situação, falamos do caso de uma quebra de expectativa, que ocorre quando o produto corresponde perfeitamente à comunicação exposta ao público, contudo, não satisfaz os desejos intrínsecos do consumidor, por razões estritamente subjetivas. A título ilustrativo, seria o caso da venda de uma roupa que, embora esteja de acordo com a oferta, não cai bem naquele que a adquiriu ou a compra de um prato em um restaurante que não agrada o paladar de um cliente específico. Nenhuma dessas situações é capaz de configurar propaganda enganosa.
Para melhor entendimento, trazemos também um episódio notável de aplicação da sanção civil por danos morais decorrentes do ilícito em comento. Tratou-se do caso em que os fornecedores do produto denominado “Cogumelo do Sol”, por muitos anos veiculado como verdadeiramente milagroso para a saúde, foram condenados ao pagamento de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) por danos morais a consumidor. A decisão foi exarada no julgamento do Recurso Especial nº 1.329.556/SP, no ano de 2014.
O caso é peculiar, já que envolveu cliente hipervulnerável, portador de câncer agressivo. Contudo, ilustra como a jurisprudência reconhece o caráter de dano civil decorrente da propaganda enganosa.
No tocante aos ressarcimentos por danos materiais, é possível verificá-los em casos de venda de imóveis, por exemplo, incidindo o princípio da vinculação da oferta disposto no artigo 30 do Código de Defesa do Consumidor2.
Foi exatamente esse o entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo ao julgar a Apelação do processo nº 1001628-29.2018.8.26.0114, em 27/04/2020. Na demanda,
sustentou-se que foi vendido imóvel cuja oferta constava área verde de preservação permanente, córrego preservado e trilha de ecoturismo. Entretanto, o bem entregue não apresentava as características ofertadas, inexistindo também força maior, caso fortuito ou fato de terceiro que impedisse que o negócio se concretizasse nos termos adimplidos.
Assim, entendendo que os fatos geravam desvalorização da unidade, entendeu a 8ª Câmara de Direito Privado do TJSP pela configuração de danos materiais in casu, fixando valor de indenização.
Com isso, não restam dúvidas quanto ao interesse dos consumidores e dos próprios fornecedores em coibir tal prática.
Ora, ao passo que a referida conduta ilícita representa exacerbada violação dos direitos consumeristas, também prejudica o ambiente negocial, já que a propaganda enganosa é capaz de iludir a massa consumidora no tocante aos preços e produtos disponíveis no mercado, desprestigiando aqueles que agem em estrita observância da lei.
Sendo assim, é muito importante que pessoas físicas e jurídicas estejam cientes de seus direitos e deveres, mantendo-se bem informados, sabendo identificar situações de violação e, assim, auxiliando os órgãos de fiscalização no controle da propaganda enganosa.
Autoria: Ana Clara Gonçalves Flauzino – Estagiária
1 Art. 927. Aquele que, por ato ilícito ( arts. 186 e 187 ), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
2 Art. 30. Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado.