A ATUAÇÃO DA ONU NO CONFLITO RÚSSIA X UCRÂNIA
O atual conflito bélico entre Rússia e Ucrânia, de repercussão global, tem causado espanto, assombro e temor acerca do futuro. O mundo, ainda se recuperando do colapso oriundo da pandemia do Coronavírus, agora se depara com uma crise voluntária, planejada e instaurada por uma superpotência mundial. Quando poderíamos pensar que a crise sanitária teria deixado por lição a fragilidade da vida humana e a necessidade de uma união supranacional, com vistas à consecução do bem comum, somos duramente expostos à realidade imperialista, ainda existente, e suas nefastas consequências.
Diante da crise humanitária instaurada na Ucrânia, com incontável número de civis desabrigados, feridos e mortos[1], diversos países se posicionaram contrários às práticas russas e assumiram posturas concretas nessa direção, sejam elas de prestação de auxílio militar à Ucrânia[2] ou de sanções econômicas ao Kremlin [3] .
Além de tais práticas, individualmente consideradas, também se verifica a atuação de organismos internacionais, notadamente a União Europeia (UE)[4] e a Organização das Nações Unidas (ONU). Não se observa, entretanto, a atribuição de sanções rígidas a Moscou pela Organização da Paz.
Como se sabe, a ONU foi criada em 1945, após duas devastadoras guerras mundiais, com o fim precípuo de zelar pela paz. Inequívoco, portanto, que a missão primordial da Organização é intervir para que conflitos bélicos similares aos ocorridos na primeira metade do século XX não se repitam[5]. Sendo assim, exsurge a seguinte dúvida: por que a ONU não tem assumido uma postura ativa no atual conflito em comento, impondo rigorosas sanções à Rússia?
Para responder satisfatoriamente a tal indagação é preciso considerar a estrutura interna da Organização, e as atribuições conferidas aos órgãos que a integram, sendo os mais pertinentes de análise, neste momento, a Assembleia Geral e o Conselho de Segurança.
A Assembleia Geral, como se pode inferir da própria nomenclatura, é composta por todos os países-membros, tendo cada qual direito a um voto, de igual valor. Compete à Assembleia, dentre outras atribuições, discutir quaisquer questões ou assuntos que estiverem dentro das finalidades da ONU, expedindo recomendações relativas à manutenção da paz e da segurança internacionais, ressalvados os casos que estejam sob a deliberação do Conselho de Segurança.
O Conselho de Segurança, por sua vez, composto por membros permanentes (China, França, Rússia, Reino Unido e Estados Unidos da América) e temporários, tem papel central na execução de medidas concretas destinadas à manutenção da paz e segurança internacionais, conforme previsto no art. 24.1[6] da Carta da ONU. No entanto, diferentemente do que ocorre na Assembleia Geral, ambiente no qual as decisões são tomadas por maioria, no Conselho de Segurança é preciso que todos os membros permanentes estejam de comum acordo com a sanção a ser imposta. Em termos práticos, caso um dos membros permanentes discordem da punição que for proposta ela não será aplicada. Trata-se do denominado poder de veto, implicitamente conferido pela Carta ao exigir a manifestação favorável de todos os membros permanentes para que a medida possa ser implementada - tal prerrogativa já foi exercida em diversas oportunidades por diferentes países[7] .
Em suma, não há impeditivo formal para que a ONU, por meio de seu órgão competente (Conselho de Segurança), adote medidas interventivas no atual conflito existente entre Rússia e Ucrânia - podendo determinar, se necessário, a utilização de forças militares para tal fim (art. 42 da Carta). No entanto, considerando o poder de veto que a Rússia detém, poucas são as chances de o Kremlin anuir com alguma sanção ou intervenção que lhe seja eventualmente imposta - até porque, pelo menos até o momento, a Rússia não reconhece que tenha realizado nenhum ato ilícito, alcunhando, inclusive, sua atuação na Ucrânia de operação militar para "manutenção da paz".
Referências
[1] A temática está sob a investigação do Tribunal Penal Internacional, a fim de verificar a ocorrência de supostos crimes de guerra. Para mais detalhes: < https://www.band.uol.com.br/noticias/tpi-investiga-crimes-de-guerra-na-ucrania-putinpode-ser-indiciado-entenda-16483103 >. Acesso em: 14/03/2022.
[2] Ver: < https://g1.globo.com/mundo/ucrania-russia/noticia/2022/03/12/eua-anunciaenvio-de-us-200-milhoes-em-armas-e-equipamentos-a-ucrania.ghtml >. Acesso em: 14/03/2022.
[3] Mais informações em: < https://www.em.com.br/app/noticia/internacional/2022/02/27/interna_internacional,134 8626/entenda-as-consequencias-da-exclusao-da-russia-da-rede-swift.shtml >. Acesso em: 14/03/2022.
[4] Dentre as diversas medidas adotadas destaca-se: < https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/uniao-europeia-aprova-rodada-de-sancoesa-russia-em-setores-de-energia-aco-e-defesa/ >. Acesso em: 15/03/2022.
[5] Nesse sentido é o Artigo 1 da Carta das Nações Unidas: "Os propósitos das Nações unidas são: 1. Manter a paz e a segurança internacionais e, para esse fim: tomar, coletivamente, medidas efetivas para evitar ameaças à paz e reprimir os atos de agressão ou outra qualquer ruptura da paz e chegar, por meios pacíficos e de conformidade com os princípios da justiça e do direito internacional, a um ajuste ou solução das controvérsias ou situações que possam levar a uma perturbação da paz [...]".
[6] Carta das Nações Unidas. "Artigo 24 - 1. A fim de assegurar pronta e eficaz ação por parte das Nações Unidas, seus Membros conferem ao Conselho de Segurança a principal responsabilidade na manutenção da paz e da segurança internacionais e concordam em que no cumprimento dos deveres impostos por essa responsabilidade o Conselho de Segurança aja em nome deles."
[7] Para mais considerações sobre o tema, ver: < https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-46/o-uso-abusivo-do-poder-de-veto-pelosmembros-permanentes-do-conselho-de-seguranca-das-nacoes-unidas/ >. Acesso em: 15/03/2022.