A (IM)POSSIBILIDADE DE ALTERAR ESPAÇOS AMBIENTALMENTE PROTEGIDOS - UNIDADES DE CONSERVAÇÃO – POR MEIO DE MEDIDA PROVISÓRIA
I – INTRODUÇÃO
A exploração dos recursos naturais em prol do desenvolvimento econômico, e do avanço tecnológico, se tornou uma das principais preocupações das lideranças internacionais do século XX, que buscaram com a realização de conferências globais, a utilização consciente e um desenvolvimento econômico sustentável.
A questão ambiental tratada na Constituição Federal de 1988, foi fruto do ambientalismo e do desenvolvimento econômico sustentável desta problemática discutida no século passado. Seu artigo 225, §1º, inciso III determina que é de responsabilidade do Poder Público definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos. Algo inovador na história da legislação brasileira até então, sendo a primeira a tratar explicitamente da questão ambiental, o que lhe fez ganhar a alcunha de ‘’Constituição Verde’’.
Este dispositivo estabelecido pelo Poder Constituinte Originário, é o denominado espaço territorial especialmente protegido (ETEP), que são espaços, sejam eles públicos ou privados, sujeitos a uma proteção especial ao meio ambiente.
Todavia, este regimento não foi conceituado expressamente pelo legislador constituinte (até porque, as demandas ambientais e sociais são extremamente mutáveis no decorrer do tempo, sendo inviável estarem sujeitas a rigidez da Carta Magna), cabendo a doutrina, a jurisprudência majoritária e aos legisladores infraconstitucionais, a sua definição.
Do mesmo modo, muito se tem discutido sobre a possibilidade de alterar estas unidades de conservação por meio de dispositivos legais como a medida provisória, uma vez que o art. 225, §1º, III, da Constituição Federal, permite a supressão ou alteração dos espaços ambientalmente protegidos apenas mediante lei, sendo impedida qualquer aplicação que prejudique a integridade dos elementos que fundamentam a sua proteção.
Desta forma, se faz necessário analisar a constitucionalidade da alteração dos espaços ambientalmente protegidos por meio de medida provisória, assim como conceituar este instituto, levando em consideração os dogmas constitucionais, a doutrina e a jurisprudência majoritária.
II – ESPAÇOS TERRITORIAIS ESPECIALMENTE PROTEGIDOS E SEU CONCEITO
O Art. 225, §1º, III1, da magna-carta, encarregou ao Poder Público a obrigação de estabelecer, em todo o território nacional, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos com a finalidade de garantir a efetividade do direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado tanto para as presentes gerações quanto para as futuras.
Entretanto, coube as demais fontes do direito, a definição destes espaços para que fosse possível a sua instituição, em razão do fato da Constituição não conceituar expressamente as particularidades deste instituto, tampouco a sua demarcação.
Logo, entende-se como espaço territorial especialmente protegido como um espaço federativo que requer um resguardo excepcional, devido a sua extrema importância ecológica perante o interesse coletivo, buscando garantir sua preservação por meio de normas que impedem a intervenção humana em determinada parcela de território natural, assegurando a conservação de ecossistemas, espécies e recursos naturais.
Uma área especialmente protegida possui quatro características fundamentais, sendo: espaço geográfico determinado, reconhecimento oficial, subordinação a um regime jurídico especial de proteção para assegurar a conservação e a presença de elementos naturais ou culturais que fundamentem seu reconhecimento. A respeito disso, leciona SILVA (2000)2:
1 Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
(...)
III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;
2 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2000.
“São áreas geográficas públicas ou privadas (porção do território nacional) dotadas de atributos ambientais que requeiram sua sujeição, pela lei, a um regime jurídico de interesse público que implique sua relativa imodificabilidade e sua utilização sustentada, tendo em vista a preservação e a proteção da integridade de amostras de toda a diversidade de ecossistemas, a proteção ao processo evolutivo das espécies, a preservação e a proteção dos recursos naturais’’
Justamente por esta perspectiva, é que se tem o entendimento que é de competência comum do Poder Público (abrangendo todos os entes federativos) a delimitação das áreas e dos componentes a serem especialmente protegidos,
III – DA FIXAÇÃO
O principal aspecto a ser observado quanto a sua fixação é o texto Constitucional previsto no artigo 225, § 1º inciso III, disposto no capítulo que regula as questões pertinentes ao meio ambiente, o que evidentemente, demonstra a importância de se valer deste instrumento para que sejam assegurados os direitos da população ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Da mesma forma, a magna-carta estabeleceu que estes territórios só podem ser determinados pelo Poder Público, ou seja, espaços que possuem suas limitações estabelecidas por um particular, não podem ser considerados especialmente protegidos.
Sendo áreas de caráter público ou privado, é necessário que sejam definidas pelo PoderPúblico.
Em razão da sua tamanha importância para a coletividade, estas áreas só podem ser fixadas através de lei ou decreto. Cabe ressaltar que, esta proteção especial não se limita em apenas estabelecer a área a ser protegida, mas também de desenvolver políticas públicas que possam garantir a integridade da área protegida.
IV - DA POSSIBILIDADE DE ALTERAÇÃO ATRAVÉS DE MEDIDA PROVISÓRIA
A medida provisória é um ato normativo previsto no art. 59, inciso V e pelo art. 623 da Constituição Federal tendo caráter provisório e unipessoal do Presidente da República, possuindo força de lei e sem a participação do Poder Legislativo em sua edição, que participa de sua discussão apenas em um momento posterior.
É corriqueiro o debate jurídico sobre a possibilidade de alteração de espaços territoriais especialmente protegidos por meio deste veículo normativo. Sobre este aspecto, basta analisar o artigo 225, § 1º, III, da CF/88, que é claro ao determinar que a redução dos limites de espaços protegidos só pode ser realizada por meio de lei em sentido formal.
Da mesma forma, a Lei n. 9.985/2000, que possui o condão de regulamentar o art.225, § 1o, incisos I, II, III e VII da magna-carta, instituindo o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC, excede esta linha de raciocínio, exigindo que apenas uma lei de caráter específico pode reduzir ou desafetar um espaço especialmente protegido4.
Porém, tal impossibilidade ocorre apenas quando esta modificação implica um retrocesso ou prejudica a proteção ambiental anteriormente constituída naquele território. Caso contrário, é totalmente possível a instituição ou a progressão de medidas que busquem proteger áreas de importância ecológica em relação a federação.
V – CONCLUSÃO
Em face do exposto, conclui-se que a possibilidade de alteração de espaço territorial especialmente protegido e suas unidades de conservação por meio de Medida Provisória, é possível desde que estas alterações não causem um retrocesso ou danifiquem as medidas protetivas instituídas naquele território, uma vez que apenas lei em sentido estrito, pode suprimir ou flexibilizar a defesa ecológica destes territórios, de acordo com o disposto na Constituição Federal.
3 Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de:
(...)
V - medidas provisórias;
Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional.
4 Art. 22. As unidades de conservação são criadas por ato do Poder Público.
(...)
§ 7º. A desafetação ou redução dos limites de uma unidade de conservação só pode ser feita mediante lei específica.