BREVES CONSIDERAÇÕES PRÁTICAS ACERCA DAS OBRIGAÇÕES PROPTER REM
As obrigações propter rem, ou ambulatórias, decorrem do exercício da titularidade de determinado direito real sobre algum bem. Desse modo, podem ser traduzidas como obrigações existentes em razão da coisa, de maneira que acompanham o bem corpóreo, seja móvel ou imóvel, pouco importando quem é o titular do direito real.
Destarte, em se tratando de obrigação ambulatória, havendo transferência de titularidade do bem, o possuidor ou proprietário que adquiri-lo se tornará automaticamente responsável pelo cumprimento das obrigações em questão, não podendo oferecer qualquer recusa para tanto.
Importante esclarecer, desde já, que não há disposição legal que enumere as hipóteses de obrigações ambulatórias. Nada obstante, consoante entendimento jurisprudencial sedimentado do Eg. Superior Tribunal de Justiça, são exemplos das obrigações em estudo: os direitos de vizinhança[1], os quais impõem limites ao uso do imóvel pelo proprietário ou possuidor, de modo a não causar prejuízo à saúde, ao sossego e a segurança dos vizinhos (art. 1.277 do Código Civil); as despesas condominiais; as obrigações de reparar danos causados ao meio ambiente[2]; e os impostos incidentes sobre o patrimônio [3], especialmente Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR).
Em relação a este último exemplo, oportuno esclarecer que embora os impostos que incidem sobre o patrimônio sejam considerados jurisprudencialmente como hipóteses de obrigação propter rem[4], as dívidas que dizem respeito a tarifa de luz ou de água são classificadas como obrigações pessoais, de modo que não são transmitidas ao adquirente da coisa, devendo ser pagas por aquele que solicitou a prestação do respectivo serviço[5] . Compete esclarecer, ainda, que as obrigações ambulatórias, conforme já mencionado anteriormente, não recaem apenas sobre o titular do direito de propriedade, alcançando também o possuidor ou o titular de qualquer outro direito real, havendo, em diversos casos, solidariedade entre aquele que exerce a posse direta e o que a exerce de maneira indireta, seja em razão de contrato de locação ou em decorrência da existência de alienação fiduciária, por exemplo.
Depreende-se, portanto, em conclusão, que aquele que pretende adquirir a titularidade da posse ou da propriedade de bens móveis e imóveis, bem como qualquer outro direito real sobre tais bens, deve procurar, na medida do possível, consultar as dívidas existentes em razão do bem a ser adquirido, pois, não raras vezes, o adquirente desconhece as obrigações que acompanham a coisa, e acaba tornando-se responsável por elas sem sequer ter conhecimento, o que pode ocasionar uma infeliz surpresa, bem como resultar em débitos e prejuízos consideráveis àquele que adquiriu a coisa.
[1] “RECURSO ESPECIAL - DIREITO CIVIL - CONDOMÍNIO - LOCAÇÃO - DESCUMPRIMENTO DOS DEVERES CONDOMINIAIS PELO LOCATÁRIO - AUSÊNCIA DE HIGIENE E LIMPEZA DA UNIDADE - IDENTIFICAÇÃO, NA ESPÉCIE - LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM - PROPRIETÁRIO - DIREITO DE VIZINHANÇA - OBRIGAÇÃO PROPTER REM - RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO. (...) IV - Assim, tratando-se de direito de vizinhança a obrigação é propter rem, ou seja, decorre da propriedade da coisa. Por isso, o proprietário, com posse indireta, não pode se eximir de responder pelos danos causados pelo uso indevido de sua propriedade. V - Em resumo: o proprietário, em razão da natureza propter rem da obrigação, possui legitimidade passiva ad causam para responder por eventuais danos relativos a uso de sua propriedade. VI - Recurso especial improvido. (REsp n. 1.125.153/RS, relator Ministro Massami Uyeda, Terceira Turma, julgado em 4/10/2012, DJe de 15/10/2012.)
[2] “As obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo admissível cobrá-las do proprietário ou possuidor atual e/ou dos anteriores, à escolha do credor.” (SÚMULA 623, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 12/12/2018, DJe 17/12/2018)
[3] “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ITR. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA POR SUCESSÃO. OBSERVÂNCIA. 1. A jurisprudência desta Corte de Justiça, firmada em sede de recurso repetitivo, é no sentido de que os "impostos incidentes sobre o patrimônio (Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural - ITR e Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana - IPTU) decorrem de relação jurídica tributária instaurada com a ocorrência de fato imponível encartado, exclusivamente, na titularidade de direito real, razão pela qual consubstanciam obrigações propter rem, impondo-se sua assunção a todos aqueles que sucederem ao titular do imóvel" (REsp 1.073.846/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25/11/2009, DJe 18/12/2009). 2. A cobrança do tributo pode ser feita tanto do proprietário/possuidor do imóvel à época do fato gerador do imposto quanto daquele que vier a lhe suceder, em face da responsabilidade tributária por sucessão. (...) 4. Agravo interno desprovido.” (AgInt no AREsp n. 1.723.817/PR, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 8/9/2021, DJe de 14/9/2021.)
[4} Compete registrar que há divergência no âmbito doutrinário sobre o tema, veja-se: < https://jus.com.br/artigos/91549/a-obrigacao-propter-rem-e-os-equivocos-de-sua-incidenciasobre-tributos >. Acesso em: 15.06.2022.
[5] “ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. SERVIÇO DE ENERGIA ELÉTRICA. OBRIGAÇÃO DE NATUREZA PESSOAL E NÃO PROPTER REM. PRECEDENTES. CONTRATO DE LOCAÇÃO. MUDANÇA DE TITULARIDADE. AUSÊNCIA DE COMUNICAÇÃO À CONCESSIONÁRIA. RESPONSABILIZAÇÃO DO PROPRIETÁRIO. 1. A jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de que a responsabilidade pelo pagamento da prestação do serviço de água, esgoto ou energia possui natureza pessoal e não propter rem, devendo, portanto, a obrigação pelo pagamento do serviço recair sobre quem o solicita. (...) 4. Agravo interno a que se nega provimento.” (AgInt no REsp n. 1.737.379/PR, relator Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 8/3/2022, DJe de 25/3/2022.)