BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O DANO MORAL
Conceitualmente, o Dano Moral se trata da espécie de dano que atinge a esfera dos direitos da personalidade do indivíduo, ou seja, a honra, imagem, vida privada, dentre tantos outros juridicamente tutelados, estando previsto no Código Civil e na Constituição Federal.
Insta ressaltar que, apesar da forma mais comum de reparação seja através de valores em dinheiro, o conteúdo da indenização não é propriamente pecuniário. Contudo, encontrou-se nessa forma de compensação um caminho para atenuar o dano sofrido, já que não se pode valorar monetariamente o sofrimento humano e a angústia.
Há também a possibilidade de compensação não pecuniária, como a retratação púbica, como reconheceu o Enunciado 589 da VII Jornada de Direito Civil.
No tema, Schreiber1 nos chama a atenção para a existência de duas correntes que buscam conceituar o dano moral. A corrente subjetiva defende o dano moral como aquele que advém da dor, sofrimento e humilhação, ao passo que a corrente objetiva compreende como a “lesão a um interesse jurídico atinente à personalidade humana e, por isso mesmo, insuscetível de valoração econômica.”.
O autor destaca a relevância do entendimento das diferenças entre as duas correntes, já a fundamentação utilizada para justificar a necessidade de reparação do dano moral é divergente entre elas.
Nesse sentido, diz o autor que “a distinção conceitual entre as duas correntes é relevante, na medida em que, embora usualmente a lesão a um interesse jurídico existencial provoque reações emocionais negativas, isso nem sempre ocorre.2 ”
Logo, é possível que haja a pretensão indenizatória mesmo que não se verifiquem sentimentos ruins pela vítima.
1 SCHREIBER, Anderson. Manual de Direito Civil Contemporâneo. 3ª. ed. rev. São Paulo: Saraiva Educação, 2020. cap. Capítulo 24 - Responsabilidade Civil, p. 888-889. ISBN 9788553616954.
2 SCHREIBER, Anderson. Manual de Direito Civil Contemporâneo. 3ª. ed. rev. São Paulo: Saraiva Educação, 2020. cap. Capítulo 24 - Responsabilidade Civil, p. 889. ISBN 9788553616954.
Ainda, estabelece o Enunciado 445 da V Jornada de Direito Civil que “o dano moral indenizável não pressupõe necessariamente a verificação de sentimentos humanos desagradáveis como dor ou sofrimento”, enriquecendo a discussão acerca do tema.
Acerca das suas diversas classificações, Flávio Tartuce3 nos traz alguns ensinamentos.
Inicialmente, o autor divide o dano moral quanto ao sentido da categoria, mencionando o dano moral em sentido próprio, in natura – aquele relativo ao que o indivíduo efetivamente sente, como dor, tristeza, depressão, e demais sentimentos negativos - e o dano moral em sentido impróprio – não se vincula à prova de sentimento negativo em si para sua caracterização, bastando a violação ao direito de personalidade.
Em continuidade, classifica o dano em comento quanto à necessidade ou não de prova. Para o autor, há o dano moral provado, aquele que necessita de comprovação pelo autor da demanda, mencionando exemplificativamente o julgado do REsp nº 1.653.413/RJ pelo STJ em 08/06/2018, e o dano moral presumido, também chamado in re ipsa, o qual independe de comprovação para atingir-se o dever de indenizar, como ocorre em casos de morte de pessoa da família, lesão estética e uso indevido de imagem para fins lucrativos, caso preceituado pelo Enunciado 587 da VII Jornada de Direito Civil.
Por fim, o autor distingue o dano moral direto, que, em suas palavras, “é aquele que atinge a própria pessoa, a sua honra subjetiva (autoestima) ou objetiva (repercussão social da honra). Como exemplo, podem ser citados os crimes contra a honra, que geram a responsabilidade civil daquele que os pratica, nos termos do art. 953 do Código Civil.”, do dano moral indireto ou em ricochete, que consiste no dano que atinge alguém de forma indireta, como no caso de morte de familiar.
Entendido o dano moral individual, adentra-se no conceito de dano moral coletivo, inserido na contemporaneidade do Direito. Este, configura-se como espécie de dano que merece destaque. Segundo Tartuce4 , “ele pode ser denominado como o dano que atinge, ao mesmo tempo, vários direitos da personalidade, de pessoas determinadas ou determináveis(...).”.
3 TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. 10ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020. v. único, p. 755- 758. ISBN 978-85-309-8406-9.
4 TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. 10ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020. v. único, p. 783. ISBN 978-85-309-8406-9.
Em outras palavras, verifica-se quando um ato ilícito gera dano a diversos indivíduos já identificados ou que se podem identificar.
Um exemplo de caso relevante na jurisprudência nacional reconhecendo o dano moral coletivo foi o das “pílulas de farinha”, julgado pelo STJ. Em breve resumo, diversas mulheres foram afetadas por pílulas contraceptivas sem a carga hormonal que nelas deveria estar contida, sendo o medicamento um placebo, o que ocasionou muitos casos de gravidez não planejada. Assim, entendeu o Superior Tribunal de Justiça pela condenação da empresa Schering do Brasil, que fornecia a referida pílula anticoncepcional ao pagamento de compensação por danos morais coletivos, como se vê no trecho retirado da ementa do julgado do REsp nº 866.636/SP:
“CIVIL E PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÍBLICA PROPOSTA PELO PROCON E PELO ESTADO DE SÃO PAULO. ANTICONCEPCIONAL MICROVLAR. ACONTECIMENTOS QUE SE NOTABILIZARAM COMO O “CASO DAS PÍLULAS DE FARINHA”. CARTELAS DE COMPRIMIDOS SEM PRINCÍPIO ATIVO, UTILIZADAS PARA TESTE DE MAQUINÁRIO, QUE ACABARAM ATINGINDO CONSUMIDORAS E NÃO IMPEDIRAM A GRAVIDEZ INDESEJADA. PEDIDO DE CONDENAÇÃO GENÉRICA, PERMITINDO FUTURA LQUIDAÇÃO INDIVIDUAL POR PARTE DAS CONSUMIDORAS LESADAS. DISCUSSÃO VINCULADA À NECESSIDADE DE RESPEITO À SEGURANÇA DO CONSUMIDOR, AO DIREITO DE INFORMAÇÃO E À COMPENSAÇÃO PELOS DANOS MORAIS SOFRIDOS. (...)” (grifou-se)
Mais tarde, o STJ, através da Edição nº 125 da Jurisprudência em Teses, firmou o entendimento de que “o dano moral coletivo, aferível in re ipsa, é categoria autônoma de dano relacionado à violação injusta e intolerável de valores fundamentais da coletividade”, restando pacífica a questão no tribunal e validando a tese em comento.
Importante ressaltar, ainda, que o dano moral pode ser suportado tanto por pessoas naturais quanto jurídicas, conforme a Súmula 227 do STJ. A assertiva se baseia no fato de que a honra da pessoa jurídica também pode ser atingida e, em que pese esta não experimente maus sentimentos pela ausência de subjetividade própria das pessoas naturais, pode vivenciar diversos efeitos negativos decorrentes do dano em comento. Nesse caso, é imperiosa a apresentação de provas da ocorrência do dano, não se admitindo o caráter implícito deste, diferentemente do que ocorre com pessoas naturais.
A título ilustrativo, considere que uma empresa de confecção de roupas é publicamente acusada de utilizar trabalho escravo como mão de obra. A história toma conta de todas as redes sociais, fazendo com que o seu público alvo se revolte e declare jamais adquirir seus produtos novamente. Em razão da falácia, seus lucros despencam, afetando toda a sua cadeia produtiva. Nesse caso, é palpável a pretensão indenizatória, comprovada pela contabilidade da empresa, já que, em razão da inverdade, sua honra foi atingida comprovada através da drástica redução em seus lucros.
Sendo assim, vislumbramos a inegável relevância que possui o dano moral, já que atinge os direitos de personalidade tanto de pessoas naturais quanto jurídicas, bem como verificamos a importância de se atentar para as características fundamentais e específicas de cada uma, a fim de averiguar a existência do dano e, por conseguinte, a pretensão indenizatória dele decorrente.