IMPOSSIBILIDADE DE IMPLANTAÇÃO DE EMBRIÃO APÓS A MORTE DO CÔNJUGE
O avanço tecnológico tem obrigado o Direito a se modernizar para tratar de situações inéditas. No ano de 2021, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça se debruçou acerca da possibilidade de implantação de embriões após a morte de um dos cônjuges1 . No caso, os filhos do cônjuge falecido recorreram da decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo que havia possibilitado que a viúva realizasse a fertilização. A decisão no STJ foi acirrada, tendo ficado decidido, por 3 votos a 2, a impossibilidade de implantação de embriões após a morte sem que houvesse a manifestação inequívoca, expressa e formal nesse sentido, formalizada por testamento ou por documento análogo.
O Relator (que foi voto vencido neste julgado) entendeu pela possibilidade da implantação em razão da vontade manifestada em vida pelo falecido de ter filhos com sua esposa já que a realização da inseminação artificial visa, inegavelmente, este fim. Ademais, o Relator sustentou que o casal poderia, no referido contrato, ter optato pelo descarte ou doação do material em caso de morte, tendo, contudo, escolhido que o material permaneceria sob a custódia do cônjuge sobrevivente.
Todavia, a tese vencedora estabeleceu que como a implantação gera efeitos para além da vida, com repercussões patrimoniais, sucessórias, bem como relaciona-se intrinsicamente à personalidade e dignididade dos seres humanos, é, portanto, imprescindível a manifestação de maneira expressa e específica para a implatação dos embriões post mortem, a qual deverá ser efetivada por testamento ou por documento análogo.
Quanto à regulação normativa acerca da reprodução assistida post mortem, cumpre salientar que a Resolução nº 2.168/2017 do Conselho Federal de Medicina prevê sua possibilidade desde que haja autorização prévia específica do falecido para uso do material biológico criopreservado, de acordo com a legislação vigente.
VIII - REPRODUÇÃO ASSISTIDA POST-MORTEM É permitida a reprodução assistida post-mortem desde que haja autorização prévia específica do(a) falecido(a) para o uso do material biológico criopreservado, de acordo com a legislação vigente.
No mesmo sentido o Enunciado nº 633 do Conselho da Justiça Federal preceitua que é possível ao viúvo ou ao companheiro sobrevivente o acesso à técnica de reprodução assistida póstuma desde que haja expresso consentimento manifestado em vida pela esposa ou companheira.
ENUNCIADO 633 – Art. 1.597: É possível ao viúvo ou ao companheiro sobrevivente, o acesso à técnica de reprodução assistida póstuma – por meio da maternidade de substituição, desde que haja expresso consentimento manifestado em vida pela sua esposa ou companheira
Além disso, o voto vencedor asseverou que o planejamento familiar, o qual possui fundamento constitucional (art. 226, §7º, CRFB), ancora-se nos princípios da dignidade da pessoa humana e na paternidade responsável, bem como na utilização de recursos educacionais e científicos capazes de realizá-lo, estando, portanto, intrinsicamente ligado ao ato consciente do casal de escolher entre ter ou não filhos de acordo com seus planos e expectativas.]
Dessa forma, como a fecundação artificial é uma expressão da autonomia pessoal acerca da manifestação do planejamento familiar, para ter validade deve ser manifestada de forma a não gerar qualquer dúvida quanto a real vontade, razão pela qual o STJ entendeu que não pode estar genericamente prevista em contrato padrão de prestação de serviços de reprodução humana.
Noutro giro, o voto vencedor ressaltou que no caso sob análise havia testamento deixado pelo falecido que não fazia qualquer menção à contemplação de qualquer outro filho, devendo esta vontade declarada formalmente prevalecer.
Ante o exposto, nota-se que o tema em apreço demonstra-se extremamente delicado por envolver um debate recente acerca dos novos métodos de concepção de vida humana, bem como por versar acerca de diversos aspectos da dignidade humana e disposição das últimas vontades, sendo certo que restou reforçado no referido julgado que a maneira mais segura de declarar vontades que tenham efeitos após a morte, é, sem dúvidas, por meio de testamento, evitando-se, assim, maiores discussões sobre qual seria a vontade real do de cujus.