O EXERCÍCIO DO DIREITO AO NOME – UMA NOVA PERSPECTIVA À LUZ DA LEI Nº 14.382/2022
O direito ao nome, além de previsto pelo Código Civil como um dos direitos da personalidade, também possui proteção constitucional, por se relacionar diretamente com o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inc. III, da Constituição Federal), um dos fundamentos da República.
Em razão de sua condição de direito da personalidade, o nome, assim como os demais direitos que gozam de tal status, é intransmissível e irrenunciável, não podendo sofrer limitação voluntária no seu exercício, exceto nos casos previstos em lei (art. 11 do CC), razão pela qual é vedado, dentre outras coisas, optar por não ter nome.
Nada obstante, é preciso esclarecer que o nome (prenome + sobrenome), ao contrário do que se poderia imaginar em uma análise simplória, não se presta apenas a identificar determinada pessoa. Em verdade, o nome compõe a própria consciência imaterial do sujeito, tanto assim que possui proteção mesmo após o falecimento da pessoa, sendo permitido aos descendentes a atuação na defesa da imagem e da honra do falecido.
Nítido, portanto, que o nome não tem apenas por função individualizar alguém - fosse assim bastaria o número de inscrição no CPF, muito mais eficiente para tal fim. A função do nome, muito além de identificar, é possibilitar que o sujeito seja reconhecido, em âmbito local, regional, nacional ou internacional, por seus méritos e deméritos.
Por tal razão, o nome, em seus vários aspectos, goza de especial proteção no ordenamento jurídico. No entanto, a proteção do nome não pode ser considerada tão somente perante a terceiros, haja vista que é preciso ter em conta seu aspecto subjetivo, isto é, a percepção que o titular do direito ao nome tem do nome que lhe foi atribuído.
Isso porque, mais importante do que ser identificado por outros com determinado nome, é essencial que o sujeito, acima de tudo, tenha profunda identificação com o seu próprio nome, uma vez que, não sendo assim, o nome, ao invés de importante atributo da personalidade, prestará apenas a ofender o indivíduo, fadado a ser identificado por um nome pelo qual ele não se reconhece.
Em atenção a tal problemática, o Eg. Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI 4.275, possibilitou a alteração do nome da pessoa transgênero, nos seguintes termos:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO CONSTITUCIONAL E REGISTRAL. PESSOA TRANSGÊNERO. ALTERAÇÃO DO PRENOME E DO SEXO NO REGISTRO CIVIL. POSSIBILIDADE. DIREITO AO NOME, AO RECONHECIMENTO DA PERSONALIDADE JURÍDICA, À LIBERDADE PESSOAL, À HONRA E À DIGNIDADE. INEXIGIBILIDADE DE CIRURGIA DE TRANSGENITALIZAÇÃO OU DA REALIZAÇÃO DE TRATAMENTOS HORMONAIS OU PATOLOGIZANTES.
1. O direito à igualdade sem discriminações abrange a identidade ou expressão de gênero. 2. A identidade de gênero é manifestação da própria personalidade da pessoa humana e, como tal, cabe ao Estado apenas o papel de reconhecê-la, nunca de constituí-la. 3. A pessoa transgênero que comprove sua identidade de gênero dissonante daquela que lhe foi designada ao nascer por autoidentificação firmada em declaração escrita desta sua vontade dispõe do direito fundamental subjetivo à alteração do prenome e da classificação de gênero no registro civil pela via administrativa ou judicial, independentemente de procedimento cirúrgico e laudos de terceiros, por se tratar de tema relativo ao direito fundamental ao livre desenvolvimento da personalidade. 4. Ação direta julgada procedente.
(ADI 4275, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 01/03/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-045 DIVULG 06- 03-2019 PUBLIC 07-03-2019)
Nessa mesma direção, a Lei nº 14.382/2022, ao alterar o art. 56 da Lei de Registros Públicos, ampliou ainda mais as hipóteses de alteração do nome, promovendo verdadeira revolução no tema, ao permitir a alteração imotivada do prenome, a qualquer tempo, por qualquer pessoa maior de dezoito anos, nos seguintes termos:
Art. 56. A pessoa registrada poderá, após ter atingido a maioridade civil, requerer pessoalmente e imotivadamente a alteração de seu prenome, independentemente de decisão judicial, e a alteração será averbada e publicada em meio eletrônico. (Redação dada pela Lei nº 14.382, de 2022)
§ 1º A alteração imotivada de prenome poderá ser feita na via extrajudicial apenas 1 (uma) vez, e sua desconstituição dependerá de sentença judicial. (Incluído pela Lei nº 14.382, de 2022)
§ 2º A averbação de alteração de prenome conterá, obrigatoriamente, o prenome anterior, os números de documento de identidade, de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, de passaporte e de título de eleitor do registrado, dados esses que deverão constar expressamente de todas as certidões solicitadas. (Incluído pela Lei nº 14.382, de 2022)
§ 3º Finalizado o procedimento de alteração no assento, o ofício de registro civil de pessoas naturais no qual se processou a alteração, a expensas do requerente, comunicará o ato oficialmente aos órgãos expedidores do documento de identidade, do CPF e do passaporte, bem como ao Tribunal Superior Eleitoral, preferencialmente por meio eletrônico. (Incluído pela Lei nº 14.382, de 2022)
§ 4º Se suspeitar de fraude, falsidade, má-fé, vício de vontade ou simulação quanto à real intenção da pessoa requerente, o oficial de registro civil fundamentadamente recusará a retificação. (Incluído pela Lei nº 14.382, de 2022)
Vê-se que a recente alteração legislativa, ao ampliar consideravelmente as hipóteses de alteração do prenome, bem como ao possibilitar que o procedimento seja feito extrajudicialmente, promoveu alteração muito benéfica, que permite que todos os indivíduos possam adotar o prenome que desejarem. Também houve alteração na possibilidade de modificação dos sobrenomes, conforme se verá, com mais detalhes, em outra oportunidade.