SOBRE A SUPERPREFERÊNCIA E O DESTAQUE DE HONORÁRIOS NO PAGAMENTO DE DÉBITOS DA FAZENDA PÚBLICA PELO REGIME DE PRECATÓRIOS
É muito importante, quando se está executando valores, seja em desfavor da Administração Pública, seja em desfavor de particulares, saber maneiras de conseguir efetivar a execução e receber o montante exequendo. Neste breve texto, veremos algumas possibilidades de agilizar o recebimento de quantias devidas pelos entes públicos, sobretudo considerando a particularidade do regime de pagamento desses valores.
Preliminarmente, cumpre ressaltar que as condenações em dinheiro contra a Fazenda Pública são satisfeitas mediante dois institutos: a requisição de pequeno valor (doravante, RPV) ou o precatório requisitório.
A RPV é, como o nome diz, voltada para satisfação de obrigações de “pequeno valor”, consoante art. 100, § 3º, da Constituição Federal.1 O limite desse “pequeno valor” varia conforme o ente público, isto é, para a União Federal, a RPV é para requisições de até R$ 72.720,00 (setenta e dois mil setecentos e vinte reais)2 , já para o Estado de Mato Grosso, por exemplo, a RPV é limitada até 100 UFP/MT (atualmente, R$ 20.943,00) 3 .
O precatório, por sua vez, cuida do pagamento de quaisquer valores que ultrapassem esse limiar. O procedimento é relativamente simples, conforme Resolução nº. 303/2019, do Conselho Nacional de Justiça: o Tribunal encarregado processará a requisição e ordenará que o ente público inclua no próprio exercício financeiro a verba necessária para pagamento do valor em execução.
Por ser de menor valor, a ideia é que a RPV seja paga em até sessenta dias de sua expedição, prazo consideravelmente mais curto que o precatório, que deverá ser inscrito em ordem cronológica de pagamento – respeitadas as prioridades e preferências legais -, devendo ser inscrita no orçamento subsequente do ente público.
Atendidos alguns requisitos de urgência, especialmente idade ou ser portador de alguma convalescença (conforme inciso XIV, do art. 6º, da Lei nº. 7.713/88, com redação dada pela Lei nº. 11.052/20044 ), é possível que parte do precatório seja antecipado como RPV e pago com mais celeridade ao administrado (é o que chamamos de “superpreferência”), ficando o restante inscrito na ordem cronológica normal de pagamento, conforme art. 100, § 2º, da CF/88, destaque-se:
Art. 100 (...) § 2º Os débitos de natureza alimentícia cujos titulares, originários ou por sucessão hereditária, tenham 60 (sessenta) anos de idade, ou sejam portadores de doença grave, ou pessoas com deficiência, assim definidos na forma da lei, serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, até o valor equivalente ao triplo fixado em lei para os fins do disposto no § 3º deste artigo, admitido o fracionamento para essa finalidade, sendo que o restante será pago na ordem cronológica de apresentação do precatório
Atualmente, nos termos do ADCT, especialmente art. 102, § 2º5 , o valor do montante que pode ser adiantado como RPV é de cinco vezes o valor desta, ou seja, para a União, tomando em consideração os limites acima comentados, é de R$ 363.600,00 (trezentos e sessenta e três mil e seiscentos reais), e para o Estado de Mato Grosso, mantendo o exemplo anterior, é de 500 UFP/MT, ou R$ 104.715,00 (cento e quatro mil setecentos e quinze reais).
Importante anotar, ainda, que o administrado tem todo o direito de abrir mão de parte do montante em execução para receber seus valores como RPV, ao invés do precatório. Dependendo da quantia adicional ao limite, pode valer a pena dispensar a parcela diminuta do quantum debeatur, fazendo valer aquele famoso dito popular: mais vale um pássaro na mão, que dois voando.
Com relação aos honorários advocatícios, importante ter em vista que, por constituírem verbas de caráter eminentemente alimentar (CPC, art. 85, § 14)6 , gozam de preferência constitucional na ordem de pagamento, destaque-se:
Art. 100 (...) § 1º Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou por invalidez, fundadas em responsabilidade civil, em virtude de sentença judicial transitada em julgado, e serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, exceto sobre aqueles referidos no § 2º deste artigo.
4 Art. 6º (...) XIV – os proventos de aposentadoria ou reforma motivada por acidente em serviço e os percebidos pelos portadores de moléstia profissional, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, hepatopatia grave, estados avançados da doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação, síndrome da imunodeficiência adquirida, com base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída depois da aposentadoria ou reforma 5 Art. 102 (...) § 2º Na vigência do regime especial previsto no art. 101 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, as preferências relativas à idade, ao estado de saúde e à deficiência serão atendidas até o valor equivalente ao quíntuplo fixado em lei para os fins do disposto no § 3º do art. 100 da Constituição Federal, admitido o fracionamento para essa finalidade, e o restante será pago em ordem cronológica de apresentação do precatório 6 Art. 85 (...) § 14. Os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial.
E como são verbas autônomas, em teoria podem ser destacadas do montante principal em execução, autorizando-se a expedição do respectivo precatório ou RPV para satisfação da verba honorária – o que está de acordo com o fato de que os valores executados (o montante principal e os honorários) pertencem, na realidade a titulares distintos.
Neste sentido, destaquem-se os termos do EOAB, especialmente art. 22, § 4º e art. 23:
Art. 22 (...) § 4º Se o advogado fizer juntar aos autos o seu contrato de honorários antes de expedir-se o mandado de levantamento ou precatório, o juiz deve determinar que lhe sejam pagos diretamente, por dedução da quantia a ser recebida pelo constituinte, salvo se este provar que já os pagou.
Art. 23. Os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado, tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu favor.
Não obstante, consolidou-se forte jurisprudência no sentido de que apenas os honorários advocatícios sucumbenciais podem ser destacados do montante principal. Neste sentido, foi o art. 8º, caput, da Resolução nº. 303/2019, do Conselho Nacional de Justiça7 , bem assim o teor da Súmula Vinculante nº. 47, in verbis: “Os honorários advocatícios incluídos na condenação ou destacados do montante principal devido ao credor consubstanciam verba de natureza alimentar cuja satisfação ocorrerá com a expedição de precatório ou requisição de pequeno valor, observada ordem especial restrita aos créditos dessa natureza”.
Saliente-se, nesta mesma toada, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. REQUISITÓRIO EXPEDIDO. DESTAQUE DE HONORÁRIOS CONTRATUAIS INADIMPLIDOS. IMPOSSIBILIDADE. NÃO OPONIBILIDADE DE NEGÓCIO JURÍDICO PRIVADO ALHEIO À FAZENDA PÚBLICA. 1. A jurisprudência do STF não admite a expedição de requisitório em separado para pagamento de honorários advocatícios contratuais, à luz do art. 100, §8º, da Constituição da República. 2. A possibilidade de oposição de contrato de honorários contratuais não honrado antes da expedição de requisitório decorre de legislação infraconstitucional, notadamente o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, e a controvérsia referente ao adimplemento de negócio jurídico entre causídico e respectivo cliente não possui relevância para a Fazenda Pública devedora e a operabilidade da sistemática dos precatórios. 3. A presente controvérsia não guarda semelhança com o do RE 564.132, que deu fundamento à edição da Súmula Vinculante 47 do STF, pois a autonomia entre o débito a ser recebido pelo jurisdicionado e o valor devido a título de honorários advocatícios restringese aos sucumbenciais, haja vista a previsão legal destes contra a Fazenda Pública, o que não ocorre na avença contratual entre advogado e particular. Precedente: Rcl-AgR 24.112, de relatoria do Ministro Teori Zavascki, Segunda Turma, DJe 20.09.2016. 4. Agravo regimental a que se nega provimento, com aplicação de multa, nos termos do art. 1.021, §4º, do CPC. (STF, 2ª Turma, AgRg no RE 1035724, Rel. Min. EDSON FACHIN, Julg. 11.09.2017, DJe 21.09.2017) (grifo nosso)
7 Art. 8º O advogado fará jus à expedição de ofício precatório autônomo em relação aos honorários sucumbenciais.
Por conseguinte, é imprescindível o conhecimento adequado das diferentes formas com que dar celeridade à satisfação do débito da Fazenda Pública, ainda mais considerando que, em muitos casos, infelizmente, tem-se noticiado grande atraso, sobretudo pelos entes públicos estaduais e municipais, do cumprimento das listas de precatório.
Deste modo, fracionar o valor é uma boa estratégia para conseguir ao menos uma satisfação parcial do montante em execução, o que é especialmente relevante para o advogado, quem geralmente tem direito a apenas parcela diminuta da totalidade do quantum debeatur, e que não pode ficar com seu sustento dependente do capricho da Administração Pública.