STJ CONFIRMA A DISPENSA DA COMPROVAÇÃO DE RECOLHIMENTO DO ITCD NA PARTILHA AMIGÁVEL
Ao iniciar um processo de inventário, vários contribuintes vinham se deparando com a seguinte dificuldade: embora o Código de Processo Civil, em seu artigo 662, caput, dispunha claramente que no “arrolamento, não serão conhecidas ou apreciadas questões relativas ao lançamento, ao pagamento ou à quitação de taxas judiciárias e de tributos incidentes sobre a transmissão da propriedade dos bens do espólio”, os fiscos estaduais insistiam em criar entraves ao andamento do inventário, exigindo a comprovação do pagamento do ITCD, a partir de uma interpretação do disposto no artigo 192 do Código Tributário Nacional, veja-se: Art. 192. Nenhuma sentença de julgamento de partilha ou adjudicação será proferida sem prova da quitação de todos os tributos relativos aos bens do espólio, ou às suas rendas. A questão acabou chegando ao STJ, em dois casos paradigmáticos, escolhidos para representar a ratio decidendi da Augusta Corte na sistemática dos recursos repetitivos. Em ambos os recursos - REsp nº. 1896526 / DF (2020/0118931-6) e REsp nº. 2027972 / DF (2022/0303151-8) -, tratava-se de ação de inventário, processada sob o rito do arrolamento sumário, na qual foi proferida sentença homologatória do plano de partilha apresentado pelos herdeiros, sem determinação para que comprovassem o recolhimento prévio do ITCD. Manejado recurso pelo fisco, a Corte da origem também entendeu correta a dispensa, na partilha amigável, da prova da quitação do apontado imposto e de outros tributos. Segundo a Douta Ministra Relatora, Regina Helena Costa, a “disciplina legal do processo judicial de transmissão de herança no País, no que tange ao aspecto fiscal, é, historicamente, pendular”, isso porque oscilariam entre opções legislativas que ora conferiram às Fazendas Públicas uma participação mais ampla e ativa no processo de inventário, ora procuravam a tramitação, minimizando ou postergando a manifestação do fisco no processo. Com o novo Código de Processo Civil de 2015 não seria diferente. Desta vez, o pêndulo voltou no sentido da desburocratização. O novo Codex processualístico foi pensado a “priorizar a agilidade do arrolamento sumário, focando, teleologicamente, na simplificação e na flexibilização dos procedimentos envolvendo o” ITCD, sem descuidar da observância dos princípios da celeridade, efetividade e da duração razoável do processo. Para o STJ, o disposto nos artigos 191, 192 e 193 do CTN não dispõem sobre preferências propriamente, mas sobre garantias ao fisco que conferem maior efetividade ao crédito tributário. Desse modo, o disposto no referido artigo 192 constitui antes um “instrumento assecuratório do direito de o Estado exigir tributos”. No entanto, as mudanças legislativas apontadas, conformaram a cobrança do ITCD a um perfil mais enxuto e menos solene, ao menos no tocante ao arrolamento sumário, acelerando o trâmite do procedimento que, naturalmente, deveria ser mais simples em comparação com o do inventário. Vale lembrar que o STJ já tinha, desde o CPC de 1973, firmado posicionamento no sentido de que “não são cognoscíveis questões atinentes à apuração, lançamento e pagamento do ITCMD no arrolamento sumário”. Entendimento que restou consolidado pela Primeira Seção da Augusta Corte Superior, sob o Tema repetitivo nº. 391/STJ, ocasião em que se consignou que, nos inventários processados sob a modalidade de arrolamento sumário, “não cabe o conhecimento ou a apreciação de questões relativas ao lançamento, pagamento ou quitação do tributo de transmissão causa mortis”. Em outro aspecto, não se pode esquecer que os títulos translativos de domínio de bens imóveis somente podem ser averbados se demonstrado o pagamento do respectivo imposto de transmissão (Lei nº. 6.015/73, arts. 143 e 289), sob pena de responsabilidade tributária solidária dos oficiais registrais em caso de omissão (CTN, art. 134, inciso VI). Igualmente, a emissão de um novo CRV para eventuais veículos pressupõe o recolhimento do tributo, conforme determinado pelo art. 124, inciso VIII, do CTB. Ou seja, se o regramento processual em nada infirma a incidência do ITCD, porquanto não se trata de isenção, mas apenas de postergar a apuração e o seu lançamento para depois do encerramento do processo judicial, tampouco invalida a prévia exigência da quitação dos demais tributos relativos “aos bens do espólio e às suas rendas”. Por conseguinte, eis a tese fixada pelo STJ na sistemática dos recursos repetitivos: No arrolamento sumário, a homologação da partilha ou da adjudicação, bem como a expedição e entrega do formal de partilha e da carta de adjudicação, não se condicionam ao prévio recolhimento do imposto de transmissão causa mortis, devendo ser comprovado, todavia, o pagamento dos tributos relativos aos bens do espólio e às suas rendas, a teor dos arts. 659, § 2º, do CPC/2015, e 192 do CTN E eis a ementa do julgado: RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS E DOAÇÃO DE QUAISQUER BENS E DIREITOS - ITCMD. ARROLAMENTO SUMÁRIO. ART. 659, CAPUT, E § 2º DO CPC/2015. HOMOLOGAÇÃO DA PARTILHA OU DA ADJUDICAÇÃO. EXPEDIÇÃO DOS TÍTULOS TRANSLATIVOS DE DOMÍNIO. RECOLHIMENTO PRÉVIO DA EXAÇÃO. DESNECESSIDADE. PAGAMENTO ANTECIPADO DOS TRIBUTOS RELATIVOS AOS BENS E ÀS RENDAS DO ESPÓLIO. OBRIGATORIEDADE. ART. 192 DO CTN. (...) II – O CPC/2015, ao disciplinar o arrolamento sumário, transferiu para a esfera administrativa as questões atinentes ao imposto de transmissão causa mortis, evidenciando que a opção legislativa atual prioriza a agilidade da partilha amigável, ao focar, teleologicamente, na simplificação e na flexibilização dos procedimentos envolvendo o tributo, alinhada com a celeridade e a efetividade, e em harmonia com o princípio constitucional da razoável duração do processo. III – O art. 659, § 2º, do CPC/2015, com o escopo de resgatar a essência simplificada do arrolamento sumário, remeteu para fora da partilha amigável as questões relativas ao ITCMD, cometendo à esfera administrativa fiscal o lançamento e a cobrança do tributo IV – Tal proceder nada diz com a incidência do imposto, porquanto não se trata de isenção, mas apenas de postergar a apuração e o seu lançamento para depois do encerramento do processo judicial, acautelando-se, todavia, os interesses fazendários – e, por conseguinte, do crédito tributário –, considerando que o Fisco deverá ser devidamente intimado pelo juízo para tais providências, além de lhe assistir o direito de discordar dos valores atribuídos aos bens do espólio pelos herdeiros. V – Permanece válida, contudo, a obrigatoriedade de se comprovar o pagamento dos tributos que recaem especificamente sobre os bens e rendas do espólio como condição para homologar a partilha ou a adjudicação, conforme determina o art. 192 do CTN. VI – Acórdão submetido ao rito do art. 1.036 e seguintes do CPC/2015, fixando-se, nos termos no art. 256-Q, do RISTJ, a seguinte tese repetitiva: No arrolamento sumário, a homologação da partilha ou da adjudicação, bem como a expedição do formal de partilha e da carta de adjudicação, não se condicionam ao prévio recolhimento do imposto de transmissão causa mortis, devendo ser comprovado, todavia, o pagamento dos tributos relativos aos bens do espólio e às suas rendas, a teor dos arts. 659, § 2º, do CPC/2015 e 192 do CTN. VII – Recurso especial do Distrito Federal parcialmente provido. (grifo nosso) A homologação da partilha ou da adjudicação, no arrolamento sumário, dependerá sempre de prova da liquidação antecipada dos tributos incidentes especificamente sobre os bens e as rendas do espólio, sendo incabível, contudo, qualquer discussão quanto ao ITCD, que deverá ocorrer exclusivamente na esfera administrativa, por força do disposto nos arts. 659, § 2º, e 662, §§ 1º e 2º, do CPC, destaque-se: Art. 659. (...) § 2º Transitada em julgado a sentença de homologação de partilha ou de adjudicação, será lavrado o formal de partilha ou elaborada a carta de adjudicação e, em seguida, serão expedidos os alvarás referentes aos bens e às rendas por ele abrangidos, intimando-se o fisco para lançamento administrativo do imposto de transmissão e de outros tributos porventura incidentes, conforme dispuser a legislação tributária, nos termos do § 2º do art. 662. (grifo nosso) Art. 662. (...) § 1º A taxa judiciária, se devida, será calculada com base no valor atribuído pelos herdeiros, cabendo ao fisco, se apurar em processo administrativo valor diverso do estimado, exigir a eventual diferença pelos meios adequados ao lançamento de créditos tributários em geral. § 2º O imposto de transmissão será objeto de lançamento administrativo, conforme dispuser a legislação tributária, não ficando as autoridades fazendárias adstritas aos valores dos bens do espólio atribuídos pelos herdeiros. (grifo nosso) Nos casos concretos paradigmáticos, a Ministra Relatora anotou que, em ambas as hipóteses, a sentença homologatória de partilha dispensou a quitação adiantada de quaisquer tributos, o que impunha reforma parcial, para “determinar o retorno dos autos ao primeiro grau de jurisdição, a fim de que se proceda à comprovação do pagamento dos tributos referentes aos bens do espólio e às suas rendas como condição para homologar a partilha”.