UMA BREVE ANÁLISE SOBRE O DESENVOLVIMENTO DA IMPRENSA E SUA IMPORTÂNCIA ENQUANTO FONTE HISTÓRICA
Ao longo do século XIX, os jornais foram importantes veículos de posicionamento e prática política, posto que candidatos e políticos dos mais altos cargos pagavam para ter suas propagandas veiculadas a determinados periódicos. Barbosa (2010) destaca que a imprensa tinha um papel deveras significativo na difusão das ideias de governo de seus candidatos, além de auxiliar na disseminação de posicionamentos políticos, fomentando debates que contribuíam para a formação da opinião pública dos cidadãos.
Segundo o autor supracitado, a sociedade política está intrinsicamente ligada às instituições sociais, e os jornais se incluem em tais organizações como ferramentas propagadoras de simbolismos. Por ser um veículo que reproduz opiniões, a imprensa se tornou responsável pela conversão de políticos em ídolos ou em carrascos perante a população e, logo, ela foi apreendida pela sociedade do século XIX como um instrumento modelador de opiniões. Consequentemente, Morel (2012) afirma que a finalidade dada à imprensa ao longo deste período fez com que as opiniões públicas fomentadas por ela fossem utilizadas enquanto recursos para legitimar posicionamentos políticos.
Seus periódicos eram elaborados como fontes de informação e identidades próprias, que se conjugavam como lugares-chaves dentro do âmbito político da região, ou até mesmo do país, dependendo do alcance daquele determinado jornal. Desta maneira, a imprensa se tornou um alicerce para o desenvolvimento político do Estado, além de se legitimar como uma detentora de poder, visto que ela “Como um ‘partido’, desempenha uma função política, mas também de propaganda, de polícia, de influência moral e cultural.” (BARBOSA, 2010, p. 182)
A forma como o jornal era escrito, seu posicionamento político, o objetivo pelo qual o redator decidiu escrever tal matéria etc., foram marcadores que influenciavam o modo como o periódico era absorvido pelos cidadãos. Logo, no decorrer do século XIX, a imprensa passou a ser uma forte aliada para a formação da opinião pública, entendida como um “(...) personagem ou agente histórico dotado de vontade, tendência e iniciativa próprias.” (MOREL, 2012, p. 33)
Barbosa (2010) destaca a importância que os jornais ganharam por conceber uma outra realidade aos seus leitores, tendo em vista que seu objetivo inicial era “conseguir a mobilização cada vez maior do público. Quanto maior a sua audiência, maior o seu poder de divulgação e a possibilidade de conquistar mais poder.” (BARBOSA, 2010, p. 190)
Como resultado, a chegada do século XX realçou a maneira a qual a produção intelectual dos jornais contraiu um caráter evidentemente ideológico e político, dado que a imprensa foi deveras aclamada pelo poder público como um veículo publicitário. Por conseguinte, tal autor também salienta que o início deste século sinalizou um conflito entre ideologias e teorias, visto que os discursos dos periódicos eram apreendidos pelos historiadores como tendenciosos e de pouca credibilidade. Como tais discursos não eram pautados na universalidade e imparcialidade, a imprensa foi compreendida, preliminarmente, como uma trivial reprodutora de discursos políticos, sendo ela de pouca ou quase nula importância para a historiografia que se seguia.
Todavia, surgia também neste mesmo século, o movimento da École des Annales, questionando a imparcialidade utópica e inalcançável da historiografia precedente. Em conjunção com tal movimento, houve a chegada e popularização de novas disciplinas, como a Sociologia, Antropologia, Psicanálise etc., sendo elas novas referências para o desenvolvimento da historiografia, que “(...) trouxeram ao centro da cena a experiência de grupos e camadas sociais antes ignorados e inspiraram abordagens muito inovadoras, inclusive a respeito de culturas de resistência.” (DE LUCA, 2008, pp. 113-114) É a partir da consolidação da École des Annales que ocorre a primeira alteração na maneira de se enxergar a imprensa enquanto fonte histórica, posto que este movimento realçou a necessidade da historiografia de ter novos objetos de pesquisa.
A imprensa ganhou ainda mais destaque enquanto fonte historiográfica com o surgimento da terceira geração dos Annales (conhecida como Nova História), que considerava toda atividade humana como História. Desta forma, ela passou a ser compreendida como um sujeito histórico que interfere nos processos políticos, históricos e sociais de sua época. Esse novo debate historiográfico que se consolidava, juntamente com as disciplinas que surgiram, fez com que os historiadores incorporassem outras perspectivas e marcadores sociais em suas análises. Assim:
(...) os historiadores tiveram as obras abertas para novos estudos e novas fontes, quando passaram a ter importância temas como as lutas de classe, os excluídos da história e as relações entre produto e produtores. Neste contexto a utilização da imprensa escrita como fonte de estudo através da divulgação e análise do seu discurso se tornou essencial para a compreensão das representações do pensamento e dos imaginários de determinadas épocas. Esta preocupação com as classes até então não estudadas pela historiografia vai lançar um novo olhar sobre as fontes. O historiador foi em busca de novas fontes que propiciem não o estudo de um fato isolado, um feito, mas sim agora um estudo de uma classe social, suas ansiedades, seus ideais. (KRENISKI, AGUIAR, 2011, p. 02)
Portanto, o cenário consolidado pelo século XX transformou a imprensa não apenas em fonte, mas também em sujeito histórico, dado que a análise de jornais nos permite estudar as transformações que ocorreram em uma sociedade, pois eles retratam os acontecimentos daquele período. Assim, esta nova historiografia classificou a Imprensa como uma fonte crucial à análise da História Cultural, visto que a imprensa se consolidou enquanto um forte espectador de sua época. Logo, “(...) a utilização de materiais da Imprensa atualmente está cada vez mais generalizada. E, tais usos nos distanciam de um tempo em que a imprensa era considerada como fonte suspeita, a ser usada com cautela, pois apresentava problemas de credibilidade.” (VIEIRA, 2013, p. 01) Deste modo, é preciso sempre ter em mente que os periódicos são sujeitos históricos de sua época, importantes para a historiografia, pois seus discursos influenciam diretamente na conjuntura social e política ao qual eles pertencem.