Uma perspectiva histórico-jurídica dos Direitos Coletivos
Historicamente, à medida que a sociedade evolui, traz consigo novos tipos de conflitos de interesses. Para sua pacificação, faz-se necessária a atuação do direito em duas vertentes, no direito material e direito processual. Todavia, o presente artigo terá enfoque somente no direito material, mais especificamente, na evolução dos direitos coletivos latu sensu até a Constituição Federal de 1988.
Primeiramente, é válido determinar um ponto de partida. Alguns autores consideram que o início da tutela coletiva foi com o Direito Romano. Aqui é importante frisar que os institutos usados hoje como garantia, são parecidos com os da Roma antiga, ou seja, ações populares foram um dos primeiros registros a respeito da tutela de direitos transindividuais. No entanto, cabe ressaltar que após a Roma antiga, entrando no período da Idade Média, tais direitos concedidos ao cidadão não sobreviveram.
A Idade Média, também chamada de era medieval, foi um período que sucedeu a origem remota dos direitos coletivos. Teve por característica a figura do autoritarismo feudal, seja pela monarquia absolutista ou da religiosidade daquela época, que como dito acima, fez com que extinguisse a ação popular.
Durante a era medieval a sociedade não possuía uma consciência de classe ou ideia de indivíduo formado. Era tudo proposto e julgado em forma de demandas individuais, sem grandes indagações. Além disso, nessa época não é possível visualizar a separação de indivíduo e comunidade, tratava-se de uma entidade homogênea e unitária.
Passado o período medieval foi surgindo uma nova era onde o indivíduo começa a ganhar certa importância frente à coletividade. Nesse momento, é chegado o período Moderno, com a presença do iluminismo e Revolução Francesa, os quais deram vida aos direitos humanos de primeira dimensão/geração. A primeira dimensão traz consigo o direito de liberdade, enquadrando aqui a liberdade do indivíduo em face do Estado, permitindo que ele tenha direito à liberdade, propriedade, segurança e direitos políticos.
Com o passar do tempo, em meados do século XIX, acontece a Revolução Industrial, e com ela surge a conscientização de classe. Acontecia nesse momento uma união de grupos mais fracos para então enfrentar grupos coletivos fortes, nascendo os corpos intermediários que foram responsáveis pela conquista de direitos econômicos sociais e culturais. Assim, surgiu o Estado de bem-estar social e, efetivamente, surge o reconhecimento dos primeiros interesses coletivos, os direitos dos trabalhadores, das mulheres, idosos, crianças, dentre outros. Marca-se aqui a segunda dimensão dos direitos humanos, o direito a igualdade.
Seguidamente, chegado o início do século XX, o mundo é marcado pelas duas grandes guerras mundiais, e em decorrência delas surgiram os direitos humanos de terceira dimensão, a fraternidade. Aqui se enquadra o direito de paz, de desenvolvimento, meio ambiente e outros mais. Busca-se resolver problemas de fronteiras nacionais, garantindo a toda humanidade, independente de qual Estado, uma vida digna. Há autores que discorrem sobre o surgimento de mais dimensões, no entanto, esse artigo se limita ao de terceira dimensão.
Consequentemente, percebe-se que com o passar dos tempos foi construído um interesse pela tutela do coletivo. Aquilo que no início não se compreendia, que não fazia sentido, em certo tempo começa a encaixar as peças. Porém, a evolução dos direitos coletivos se estende ainda mais, até os dias de hoje se desenvolve a sua concepção.
Com a evolução da sociedade surgem mais conflitos de interesses, conhecidos como interpessoais, e com eles há uma nova reorganização do direito material (normas jurídicas). Acontece que, mesmo com a reestruturação, ainda há necessidade de mecanismos processuais capazes de efetivar os direitos coletivos.
As mudanças socioeconômicas são bem marcantes na Revolução Industrial e no século XX, época que ficou caracterizada pela sociedade de massa. Dessa forma, com a sociedade massificada, eventual falha nas “engrenagens” tem potencial de lesar um grande conjunto de pessoas. Logo, foi se desenvolvendo direitos nem públicos e nem privados, mas que de certa forma garantissem e protegessem os direitos desse coletivo atingido. O nome dado a esses direitos, são direitos coletivos, eis que não se trata de um enfoque do Estado e nem exclusivo do particular, demonstra ser do povo em geral.
Percorrendo os anos 70 do século XX, percebe-se um rompimento de paradigma, pois dado o modelo de direito até então concebido (material) os direitos processuais não tutelavam com eficácia. Foi então que nas próximas décadas a lógica foi mudada. Foram criadas a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/81) e a Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85), que estruturaram ainda mais a proteção dos direitos coletivos.
Por fim, no ano de 1988 foi promulgada a Constituição Federal, e com ela uma imensa gama de direitos coletivos foram reconhecidos, como exemplo, a inafastabilidade do judiciário frente a uma ameaça de direitos (anteriormente eram apenas os direitos individuais), a ampliação da atuação do Ministério Público, a criação do mandado de segurança coletivo e a representação associativa.